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Elis & Tom: Só Tinha de Ser com Você

Fotos: divulgação/O2 Play

Elis & Tom é um disco histórico não só para a cultura brasileira, mas para a música mundial. O encontro de uma das maiores cantoras nacionais com o compositor mundialmente famoso, um dos pais da Bossa Nova, rendeu um álbum riquíssimo em arranjos, com vocais belíssimos e um repertório pinçado a dedo. Quando a cinebiografia Elis (2016), dirigida por Hugo Prata, foi lançada, algo que chamou a atenção foi a ausência deste episódio marcante no longa-metragem, citado rapidamente, mas sem a profundidade que merecia. O documentário Elis & Tom: Só Tinha de Ser com Você, de Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, faz um merecido resgate deste importante momento na carreira de ambos, trazendo imagens inéditas das gravações e depoimentos interessantes a respeito daquele período. Não é um documentário perfeito, mas é contagiante, principalmente por conta da música da dupla central.

Roberto de Oliveira era empresário de Elis Regina nos anos 70 e foi quem deu a ideia da gravação do álbum com Tom Jobim. Para a realização do disco, a cantora—junto de seu marido à época, César Camargo Mariano, e dos demais músicos de sua banda – foi até Los Angeles. O encontro histórico se deu não sem agruras. Embora fossem musicalmente compatíveis, Tom e Elis tinham gênios fortes e uma pequena disputa nos bastidores se deu para decidir algumas questões. Um dos exemplos que o documentário nos mostra é a maneira como Tom Jobim desdenhou da presença de Mariano, que foi até L.A. para ser o arranjador do álbum. Jobim ficou contrariado ao saber que “seu disco” teria outro arranjador que não ele próprio. A questão é que o disco não era de Jobim, mas de Elis—com ele servindo como um convidado especial. Essas rusgas são comentadas no doc, que tem um time invejável de depoentes.

Dentre as figuras que comentam as gravações de Elis & Tom, o próprio Roberto de Oliveira serve como depoente, tendo se envolvido diretamente em sua feitura. Os músicos César Camargo Mariano, Hélio Delmiro e Paulinho Braga falam de suas contribuições para o trabalho, além do filho de Elis – João Marcelo Bôscoli – e da filha de Tom – Elizabeth Jobim – darem um pouco do molho familiar. Costurando vários momentos do documentário, duas testemunhas oculares da história da música nacional: André Midani e Nelson Motta. Midani era presidente da Phillips e foi quem deu o sinal verde para o encontro da dupla– uma espécie de presente de aniversário de 10 anos de Elis na gravadora. O documentário é dedicado a ele, falecido em 2019. Já Motta assina o roteiro do doc.

Os realizadores do documentário tentam ser didáticos a respeito da feitura do álbum, incluindo uma bem-vinda recapitulação da carreira de ambos – uma espécie de “como chegamos até ali”. A de Tom Jobim é interessante por nos mostrar a ascensão do músico no mercado internacional, com suas parcerias clássicas com gente do calibre de Frank Sinatra. Faltou as parcerias nacionais– cadê Vinícius? Mas a parte “Elis – Antes” é a mais problemática. Primeiro, por não se passar exatamente antes, mas bem depois, mostrando as tentativas dela de internacionalização e até sua morte, em 1981. Que antes é esse, que mostra o depois? Um erro básico de construção de narrativa – a internacionalização de Elis poderia ser encaixada sem prejuízo no terço final. E visto que a morte de Elis ganha destaque, estranho que o falecimento de Jobim nem seja citado.

Felizmente, esse deslize não mina as qualidades do filme, que assim que coloca sua bússola nas gravações em Los Angeles, marca vários golaços seguidos. Uma das qualidades do filme é poder servir de mosca na parede, com a possibilidade de conferimos os músicos muito a vontade no estúdio ou nos ensaios, conversando a respeito de música, de arranjos ou apenas de amenidades. A piada que Tom Jobim conta é daqueles momentos em que nos sentimos parte daquela sala, curtindo ao lado de Elis e Mariano a companhia do maestro.

Com bons depoimentos e trechos musicais ímpares, Elis & Tom: Só Tinha de Ser Com Você não chega a ser um Get Back (2021), dos Beatles, por não ser construído apenas com imagens de arquivo, mas joga luz de maneira envolvente nas gravações de um disco histórico e imortal. Difícil não sair assoviando Águas de Março ao final da sessão.

ELIS &  TOM: SÓ TINHA DE SER COM VOCÊ
Brasil –  100 min – Documentário
Dir.: Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay
Distribuição: O2 Play
Cotação: 7

Texto publicado originalmente na cobertura da 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Confira a revista digital no link.