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Angela

Fotos: divulgação

Em 1976, um crime chocou o Brasil. A socialite Ângela Diniz foi assassinada brutalmente com três tiros no rosto e um na nuca pelo seu namorado, o empresário Doca Street. O homem foi condenado a apenas dois anos de prisão, sob a alegação de defesa da honra. Na época, a resposta da justiça foi recebida com grande revolta, fazendo com que grupos feministas exigissem um novo julgamento – algo que ocorreu, com Doca sendo condenado a 15 anos de prisão. Em um momento em que o STF acaba de derrubar o uso da tese de defesa de honra em casos de feminicídio, Angela – novo filme de Hugo Prata, de Elis (2016) – chega aos cinemas, depois de sua exibição no Festival de Cinema de Gramado, muito a propósito. O filme possui predicados, principalmente na força das atuações do elenco feminino – Isis Valverde, Alice Carvalho e Bianca Bin dominam a tela – mas se escora demais em um conhecimento prévio do espectador que pode não existir.

O roteiro de Angela ficou a cargo de Duda de Almeida, que reconta a história da socialite em seus últimos meses de vida. Fazendo uma rápida pesquisa sobre Ângela, descobrimos que ela viveu diversas polêmicas que o filme nem se dá o trabalho de destrinchar. A narrativa já começa depois de ela não mais ter a guarda dos três filhos que teve com seu primeiro marido (este nunca aparece, inclusive). Ângela tenta seguir sua vida, sempre com o assunto no fundo de sua mente, um desejo de ter de volta os rebentos em sua guarda.

Em um relacionamento com o colunista social Ibrahim Sued (Gustavo Machado), a socialite conhece o empresário Raul Street (Gabriel Braga Nunes), à época casado com a milionária Adelita Scarpa (Carolina Manica). Os dois começam um tórrido caso e o sujeito acaba abandonando a mulher para viver em uma casa de praia em Búzios, vendida pelos amigos Tóia (Bin) e Moreau (Emílio Orciollo Netto). Depois de resolver algumas rusgas com a empregada da casa, a decidida Lili (Carvalho), Ângela passa a transformar aquele espaço em um lar – mesmo ficando possessa com as obras que nunca terminam. O que parecia uma história de amor fulminante vira um pesadelo quando Street, enciumado, mostra temperamento explosivo e violento. Infelizmente, sabemos bem como essa história termina.

Ou não? Um dos problemas de Angela é o fato de Hugo Prata estar certo de que seu público conhece a história da socialite. Sua certeza é tanta que ele nos joga na trama no meio de um turbilhão, sem nos dar muitas informações. Sim, o caso foi bastante noticiado nos anos de 1970 e 80 e ainda é referência por conta do julgamento e condenação pífias de Doca Street. Mas se formos considerar uma plateia mais jovem, dificilmente as pessoas conhecerão de antemão a trama. Com isso, ficamos um tanto à deriva por um tempo, tentando ver onde a história vai nos levar – só a partir da viagem à Búzios que entendemos o que acontecerá. Até então, a trama que é desenvolvida não traz muitas novidades.

Por ser ambientada nos anos de 1970, talvez Prata tenha buscado referências cinematográficas da época para conceber seu filme – vide a sexualidade à flor da pele. Embora possam parecer exageradas as inúmeras sexas de sexo, elas conversam com o cinema brasileiro da época e ainda nos mostram o quão tórrido era o romance entre Ângela e Doca. Isis Valverde e Gabriel Braga Nunes se jogam em cenas quentes e nos fazem crer que existia muito tesão naquela relação. O filme ainda é hábil em mostrar que atos violentos como os de Doca não são necessariamente feitos por pessoas monstruosas. Até que Doca se entregue aos ciúmes que sente, ele parece verdadeiramente apaixonado pela mulher. Muitas vezes, o maior perigo mora em sua casa, sem que a vítima perceba. O filme traz reiteradas vezes os sinais de que Ângela estava em um relacionamento tóxico, mas não conseguia enxergar. Outro ponto que é muito bem comunicado é o fato da socialite ser uma mulher dona de seu nariz, que fazia suas vontades, mas que nem por isso estaria segura contra um homem violento. Mulheres fortes também sucumbem a essas armadilhas e Angela mostra isso.

Isis Valverde dá uma performance cheia de carisma como Ângela Diniz, uma mulher que era dona de si, sem papas na língua, que desafiava o status quo da sociedade – mas que ainda tinha um lado frágil, que talvez só fosse enxergado pela sua amiga e sua empregada. Aliás, uma pena que Lili não seja mais desenvolvida, dada a bela performance de Alice Carvalho, mostrando uma ligação de sororidade com Ângela que poderia ter salvado a vida da moça. Mas o filme se mostra curto para tudo isso. Assim como em Elis, Hugo Prata faz uma cinebiografia com predicados visíveis, mas com lacunas na história que precisam ser preenchidas pelo espectador. Resta saber se o público fará esse exercício para que a obra seja melhor usufruída.

ANGELA
BR – Drama – 93 min
Direção: Hugo Prata
Roteiro: Duda de Almeida
Com Isis Valverde, Gabriel Braga Nunces, Alice Carvalho, Emilio Orciolo Netto, Bianca Bin, Carolina Manica, Gustavo Machado, Chris Couto
Distribuição: Downtown Filmes
Cotação: 6

Crítica publicada em nossa cobertura do 51º Festival de Cinema de Gramado. Leia nossa edição digital especial aqui.