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Nosso Amigo Extraordinário

Fotos: divulgação

Quando Nosso Amigo Extraordinário inicia, não é possível prever o quão encantadora essa história com um pé firme no fantástico se mostrará. Desde E.T.: O Extraterrestre, estamos acostumados com tramas que mostram um lado amistoso de visitantes interplanetários. Mas há tempos não recebíamos uma obra tão empática, utilizando um ser extraterreno como ponto de partida para mudanças impactantes na vida de um grupo de seres humanos. Outra diferença óbvia é a idade dos protagonistas. Enquanto no clássico de Steven Spielberg, os heróis da trama estavam em sua infância e adolescência, neste longa-metragem comandado por Marc Turtletaub (indicado ao Oscar como um dos produtores de Pequena Miss Sunshine, 2006), a trinca de personagens centrais está para lá da terceira idade.

Curiosamente, todos os três atores centrais de Nosso Amigo Extraordinário já tiveram contatos imediatos do terceiro grau na ficção – com resultados bem diversos. Ben Kingsley era um cientista que tentava dar cabo da perigosa Sil (Natasha Henstridge), uma alienígena que se alimentava de humanos de maneira sexual em A Experiência (1995). Harriet Sansom Harris participou de um episódio memorável da primeira temporada de Arquivo X (1993), enquanto Jane Curtin esteve dos dois lados do espectro: foi uma alienígena em Cônicos e Cômicos (1993) e uma mulher às turras com (e eventualmente apaixonada por) um amalucado E.T. na série 3rd Rock from the Sun (1996-2001).

Em Nosso Extraordinário Amigo, conhecemos Milton (Kingsley), um senhor de idade avançada que mora sozinho em uma pequena cidade no Oeste da Pensilvânia. Ele passa seus dias indo a reuniões de moradores com seu conselho de vereadores, pedindo pela mudança do slogan da cidade e por uma faixa de pedestres em uma das ruas movimentadas do local. Sem comunicação com seu filho Tim, com quem não tem uma boa relação, a única pessoa que lhe ajuda é a filha veterinária Denise (Zoe Winters, de Succession, 2019-23). Certa noite, Milton é despertado por um grande barulho em seu quintal. Ao checar, ele se surpreende com uma nave espacial. No dia seguinte, na mesma reunião em que vai sempre, ele comenta a todos que um OVNI está caído em seu pátio, mas ninguém acredita. É bem verdade que Milton tem se confundido atualmente, sua memória não é mais a mesma, mas a certeza com que fala acaba não convencendo ninguém. Os dias vão passando e além da nave, um alienígena (a dublê Jade Quon) aparece, bastante enfraquecido. Milton cuida do ser, o alimenta e acaba ganhando uma companhia – totalmente silenciosa, visto que a criatura não fala, mas tem olhos curiosos e uma expressão de interesse.

Outra senhora que costuma participar das reuniões (e é igualmente ignorada), a simpática Sandy (Harris), acompanha Milton até sua casa e conhece a figura extraterrestre. Primeiramente em choque, ela se transforma em uma amiga para aquela dupla – assim como outra mulher, mais pragmática, chamada Joyce (Curtin), que descobre o extraterrestre ao desconfiar da ligação entre Milton e Sandy. Este trio de veteranos terá sua vida transformada pela maneira como o alienígena, batizado por eles de Jules, afetará seu cotidiano.

Algo fascinante em Nosso Amigo Extraordinário é como a ligação entre os personagens se dá. O trio central está vivendo um período em que a sociedade não os enxerga mais como figuras essenciais. Por melhores que sejam as intenções de cada pessoa que interage com Milton, Joyce ou Sandy, existe sempre uma aura de tolerância, como se as pessoas fizessem grande coisa apenas em ouvi-las, sem agir. Por isso a transformação que se dá com a trinca, ao ser ouvida ativamente por Jules – e pelos demais do grupo – é tão impactante. Todo mundo quer ser ouvido, todos desejam ter suas vontades atendidas, mas com a idade avançando, cada vez menos isso é conquistado. O filme cativa ao dar aquelas figuras uma chance de ter suas experiências novamente validadas.

De início, é verdade, a história não parecia ir por caminhos tão interessantes. Milton surgia como um protagonista limitado, um sujeito que seguia uma rotina restrita e que se repetia sem talvez saber. Ben Kingsley interpreta o personagem com insuspeita excentricidade, mas nunca como uma piada. Não demora para que entendamos que o diretor Marc Turtletaub costura o início dessa forma para que sintamos o mesmo desligamento para com Milton que a sociedade a sua volta tinha por ele. Sandy, por sua vez, até conquistava alguns sorrisos nas reuniões em que participava (assim como dos espectadores, por sua simpatia), mas não era levada a sério. Harris sabe que interpreta o coração do filme e nos comove com seus olhos expressivos. Já Joyce é a mais obstinada – um senso de propósito que esconde uma solidão devastadora. É a relação entre os três e a presença catalisadora de Jules que faz com que a trama ande.

Quanto a Jules, a produção fez questão de não usar CGI para criar o extraterrestre. Desta forma, a competente dublê Jade Quon precisou ficar debaixo de bastante maquiagem para viver o alienígena humanoide que vemos na tela – o que funciona muito bem. As expressões faciais de Jules são bastante homogêneas, quase um efeito Kuleshov, no qual você basicamente lê na face da pessoa os mais variados sentimentos dependendo do estímulo justaposto. Cabe aos atores ao seu lado injetarem a emoção correta e com o trio que temos em cena, isso não é difícil, dado o seu talento.

Existe um senso de urgência por conta de uma desinteressante intervenção governamental, mas nada que prejudique a trama central. Turtletaub e o roteirista Gavin Steckler conseguem em pouco tempo (o filme mal bate os 90 minutos de duração) construir uma trama muito real, utilizando um ponto de partida fantástico para falar sobre a passagem do tempo, a solidão e a empatia de maneira, por vezes, até emocionante. Uma bela surpresa.

      

NOSSO AMIGO EXTRAORDINÁRIO
JULES
EUA – 87 min – Drama, Fantasia
Dir.: Marc Turtletaub
Rot.: Gavin Steckler
Com Ben Kingsley, Harriet Samson Harris, Jane Curtin, Zoe Winters, Jade Quon
Distribuição: Synapse
Cotação: 8