por Rodrigo de Oliveira
Em seu segundo longa-metragem, Cristiane Oliveira traz mais uma história construída na juventude e que tem seu ponto de partida em uma morte. Se em Mulher do Pai (2017), a adolescente Nalu (Maria Galant) passava a cuidar de seu pai cego Ruben (Marat Descartes) depois do falecimento da avó, em A Primeira Morte de Joana, é o passamento da tia-avó da protagonista, vivida por Letícia Kacperski, que dá o pontapé inicial para a nova trama. Mas não se preocupe. Não se trata de programa requentado. Cristiane Oliveira se mostra ainda interessada em histórias de formação. A morte das idosas nas tramas desenrolam ações bem diferentes com suas protagonistas.
Com roteiro da cineasta ao lado de Silvia Lourenço, o longa começa com Joana, 13 anos, descobrindo que sua tia-avó faleceu. Alguém muito próximo dela, com quem fazia artesanato e passava os dias, aquela velha senhora se mostra um mistério para a jovem. Segundo seus pais e todos que a conheciam, a idosa passou seus 70 anos sem nunca namorar. Para Joana, essa realidade é inconcebível. Ela passa a investigar se realmente sua querida tia-avó passou toda sua vida sem um amor. Enquanto isso, dentro da casa de Joana, existe um choque de gerações. De origem germânica, a família da menina ganha a vida vendendo cucas. A avó Norma (Lisa Gertum Becker) está aproveitando a terceira idade como não pode a juventude, namorando, dançando, se soltando. A mãe de Joana, Lara (Joana Vieira), por sua vez, ainda se sente presa, culpa de uma criação austera. Separada do marido, ela ensaia uma volta ao namoro com um amigo da cidade.
Enquanto isso, Joana está passando pelas dúvidas da adolescência. Sua melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane), é uma presença constante em sua vida, com quem troca confidências e sonhos. Um rumor no colégio de que Carolina já beijou meninas acaba gerando certo ruído na amizade. Naquela idade, descobrir quem se realmente é e não só aceitar, como enfrentar os outros de frente tende a ser assustador. Como ela poderia se cobrar essa coragem se lhe falta até destemor em chegar perto dos grandes cataventos do parque eólico de sua cidade?
Para uma história como A Primeira Morte de Joana dar certo, eram necessárias duas meninas talentosas para convencer nos papéis centrais. Felizmente, Cristiane Oliveira dirige de maneira muito competente a dupla principal, com as jovens Letícia Kacperski e Isabela Bressane surpreendendo ao estrelar com muita segurança aquela história. A química entre as duas é ótima desde o início e, quando a trama se desenrola e se faz necessário que elas passeiem por emoções variadas, elas se mostram preparadas para o desafio. O elenco todo tem uma qualidade naturalista que cai muito bem à história.
Filmada em Osório, no litoral gaúcho, A Primeira Morte de Joana é ambientada em uma cidade fictícia, em 2007, algo explicado pela cineasta por se tratar de memórias pessoais. Ela quis construir um vilarejo que não estivesse preso à realidade de Osório ou de qualquer outra cidade existente. A fotografia de Bruno Polidoro, um tanto esmaecida, dá um ar de memória difusa ao filme, principalmente ao capturar a atmosfera interiorana daquela localidade. É quase como se estivéssemos vendo um cartão postal antigo. Com singeleza, Cristiane Oliveira concebe uma bonita história de descobertas. O filme teve grande carreira internacional, passando em festivais na Índia, Estados Unidos, Suécia, Espanha, Itália, Bélgica, além de ter sido exibido no Festival de Cinema de Gramado, em 2021, de onde saiu os Kikitos de Melhor Fotografia (Polidoro), Montagem (Tula Anagnostopoulos) e Júri da Crítica.
FICHA TÉCNICA
A PRIMEIRA MORTE DE JOANA
BR – 90 min – Drama
Direção: Cristiane Oliveira
Roteiro: Cristiane Oliveira, Silvia Lourenço
Com Letícia Kacperski, Isabela Bressane, Joana Vieira, Lisa Gertum Becker, Pedro Nambuco, Graciela Caputti, Rosa Campos Velho
Cotação: 8
Crítica publicada originalmente na cobertura especial do 49º Festival de Cinema de Gramado, em 2021. Leia a revista digital neste link.