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Asteroid City

Fotos: Cortesia de Pop. 87 Productions/Focus Features

Sabe aquele seu amigo que é um grande contador de histórias, mas que tem uma maneira muito dele de narrar suas desventuras? Vocês até podem não se encontrar sempre, mas é sempre divertido ouvir o relato dos seus causos – muitas vezes ele conta até a mesma história, mas é totalmente perdoável pela forma como desenrola o novelo de suas narrativas. Não bastasse isso, o sujeito é agregador que só ele. Se decide fazer uma reunião, pode apostar que muita gente boa vai aparecer. No cinema, Wes Anderson é uma dessas pessoas. Possui um jeito muito peculiar de entregar suas tramas para o público, uma maneira tão única que é incrivelmente fácil bater o olho e saber que se trata de uma obra dele. E mesmo que algumas dessas marcas possam engessar um pouco seus filmes, quem aprecia o estilo tem tudo para se encantar. Asteroid City é mais um desses trabalhos e mesmo que as novidades sejam cada vez mais escassas, Anderson segue nos cativando como poucos com seus personagens excêntricos e senso de humor sem igual.

Como de costume, o cineasta conseguiu juntar um elenco de causar inveja a qualquer um, com astros e estrelas fazendo, por vezes, papéis bastante diminutos, com poucas falas e quase tempo nenhum de tela. Das figurinhas repetidas na obra de Anderson, temos Jason Schwartzman, Scarlett Johansson, Adrien Brody, Willem Dafoe, Jeff Goldblum, Bryan Cranston, Edward Norton, Jeffrey Wright, Tilda Swinton, Fisher Stevens, Tony Revolori, Seu Jorge, Jake Ryan, Liev Schreiber, entre outros. Como novidades, Tom Hanks, Steve Carell, Hope Davis, Maya Hawke, Matt Dillon e Margot Robbie se juntam à trupe do diretor, que fez questão de colocar seu elenco em uma espécie de retiro, uma bolha, para que trabalhasse o filme quase como uma peça. O fato de ter sido filmado em 2021, com a COVID ainda preocupando, fez com que o cast ficasse todo junto em um hotel. Ausência sentida é de Bill Murray, que deveria estrelar como o dono do motel visto no longa, mas por ter contraído o coronavírus, não pode participar. Carell foi chamado em seu lugar.

A trama é dividida em atos e tem dois trechos distintos. Um deles se passa em um teatro em Nova York nos anos de 1950. A fotografia é em preto e branco, um narrador – vivido por Bryan Cranston – faz as honras e vemos uma peça sendo escrita e montada, chamada Asteroid City. O escriba é interpretado por Edward Norton, enquanto o diretor da peça é vivido por Adrien Brody. Já as cenas (bem) coloridas se passam no sul dos Estados Unidos, e são a representação da tal peça. A cidadezinha chamada Asteroid City recebe viajantes de todo o país para uma convenção de observadores de estrelas. Dentre eles, a família do fotógrafo de guerra Augie Steenbeck (Schwartzman), levada até a cidade por conta do seu filho Woodrow (Ryan). Lá, o homem conhece a estrela de Hollywood Midge Campbell (Johansson), que também levou sua filha, Dinah (Grace Edwards), para a convenção. Steenbeck está passando por um momento de grande luto pela perda da esposa há três semanas – e só agora conseguiu contar a Woodrow e a suas duas filhas o que aconteceu. Ele pede ajuda de seu sogro, Stanley (Hanks), para o cuidado das crianças. Durante a noite de atividades da convenção, um extraterrestre surge no céu e toma para si o asteroide que dá nome à cidade. A população fica em polvorosa e o governo americano decide manter o local em quarentena – para que a informação não seja espalhada, evitando assim causar pânico no país. Presos naquele lugar, as relações entre aquelas pessoas tão diferentes são desenvolvidas.

A trama investe na dor da perda e na desconexão ao mundo exterior, algo que parece bastante referente aos tempos pandêmicos que passamos. Anderson concebeu a história ao lado de Roman Coppola, mas assinou o roteiro posterior sozinho. A parte mais extensa do trabalho foi executada durante o período mais intenso do isolamento social e isso se faz perceber na história. É curioso que mesmo com os atores no mesmo quadro, muitas vezes eles estão bastante distantes um do outro – talvez o exemplo mais memorável seja Augie e Midge em seus chalés, que dão de frente um para o outro. Anderson utiliza muitos planos abertos, mostrando o cenário no deserto – filmado na Espanha, fazendo se passar pelos Estados Unidos – o que nos faz perceber de cara quando ele usa a câmera em planos mais fechados. Acontece tão pouco que o efeito funciona como um despertar para o espectador. Por isso, é recomendável encontrar uma tela grande para assistir ao trabalho do cineasta para não perder nenhum detalhe na tela.

O elenco é obviamente um destaque, como costumam ser os longas do cineasta. Os novatos na trupe conseguem se incorporar bem ao estilo, como Tom Hanks – que recebe algumas das melhores falas, usando um estilo turrão para conceber o austero sogro do protagonista. Margot Robbie tem uma participação muito pequena – em dado momento, somos levados a crer que ela só aparecerá como uma foto no bolso de Schwartzman, mas ela surge mais para o final em uma cena que, novamente, chama a atenção pela distância dos intérpretes na tela. Dos corriqueiros, quem tem mais espaço para conceber algo interessante é Jason Schwartzman, que vive um personagem diferente do seu usual, um homem muito sóbrio e tomado pela dor da perda. Usando uma barba espessa e sempre com uma câmera no pescoço, Augie não sabe muito bem como viver a vida sem a mulher e mostra ser um sujeito pronto para deixar tudo para trás para se encontrar (tudo mesmo). Seu tempo em Asteroid City faz com que ele reveja suas prioridades, no entanto.

A fotografia de Robert Yeoman é memorável ao capturar os tons pastéis que Wes Anderson deseja imprimir naquele cenário desértico, mas também surge interessante nos trechos em preto e branco. Até o aspecto da tela muda, com as cenas no teatro com um visual 4×3, enquanto as cenas coloridas ganham um escopo muito maior, com a proporção 2.39:1 surgindo para abrir os horizontes. A trilha sonora pop é quase toda composta por músicas country, enquanto os temas incidentais foram escritos pelo sempre competente Alexandre Desplat, alguém que entende como poucos como conceber músicas que fechem com a visão de Wes Anderson para seus trabalhos, sempre com um pé no realismo fantástico.

Falando para convertidos, Asteroid City não deve conquistar os espectadores que não apreciam a maneira do cineasta de contar suas histórias. Anderson conhece sua plateia e não teme ser acusado de repetição. Mesmo que a trama não seja a mais criativa que o cineasta concatenou, existem muitos predicados técnicos e artísticos que justificam uma conferida de perto dessa obra charmosa de um diretor sempre preocupado com a forma – o que não significa necessariamente ignorar o conteúdo.

ASTEROID CITY
EUA – 105 min – Comédia
Dir. e Rot.: Wes Anderson
História: Wes Anderson e Roman Coppola
Com Jason Schwartzman, Tom Hanks, Tilda Swinton, Scarlett Johansson, Jeffrey Wright, Bryan Cranston, Edward Norton, Adrien Brody, Liev Schreiber, Maya Hawke, Steve Carell, Matt Dillon, Willem Dafoe, Sophia Lillis, Ethan Lee, Jeff Goldblum, Rita Wilson, Jake Ryan, Seu Jorge, Bob Balaban
Distribuição: Universal
Cotação: 7