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Despedida

Fotos: divulgação/Pátio Vazio

Despedida, segundo longa-metragem da dupla Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, propõe uma imaginativa jornada de reconexão familiar. A morte, nem sempre tratada com a importância que merece em obras infanto-juvenis, é um dos motes deste filme com roteiro criativo e de beleza estética impressionante. Uma produção que tende a encantar a criançada e entreter os adultos com sua colagem de gêneros e estéticas, indo desde a animação tradicional, passando pelo stop motion, beliscando o musical e fixando pé fortemente na fantasia.

Uma bela animação abre o longa, nos mostrando um mundo dos sonhos, no qual um lobo deixa sua marca na mão de uma criança. Quando Ana (Anaís Grala Wegner) desperta do sonho, vemos a cicatriz na mão da menina. O quanto de devaneio e o quanto de realidade aquela imagem nos traz? Estamos no final de semana do carnaval e os foliões cercam o carro de Ana e sua mãe Inês (Patricia Soso). O cenário, de alegria, é o contrário de como a dupla se sente. Afinal de contas, as duas estão indo para o interior, para o funeral de Alma (Ida Celina), sua mãe e avó. Na antiga casa da matriarca da família, a presença da tia Agnes (Sandra Dani) é difícil de passar despercebida. Sempre austera, ela tem pela casa uma ligação forte. Quando Ana começa a enxergar o fantasma da avó, que alguns diziam ser uma bruxa, ela passa a explorar a floresta vizinha e descobre um portal para o mundo dos mortos. Seria essa a forma de dar adeus à Alma? Enquanto vê esse universo de magia, sua mãe Inês perde a visão. Ela que tinha uma relação estremecida com a mãe teria uma nova chance de uma reconexão?

O mundo infantil da fantasia foi explorado muitas vezes no cinema, mas não tanto no Brasil. Por aqui, são mais raros os filmes que conversam com esse público. Talvez uma herança do sucesso pretérito de Os Trapalhões e de Xuxa, que dominavam o cinema e não deixavam muito espaço para outras empreitadas. Despedida vem para preencher essa lacuna. Ele bebe na fonte de O Labirinto do Fauno (2006), de Guillermo Del Toro, tem um quê de Labirinto: A Magia do Tempo (1986), de Jim Henson, e O Jardim Secreto (1993), de Agnieszka Holland. Mas ainda que consigamos perceber essas características, muito por conta da própria bagagem cinematográfica de cada um, elas não são óbvias. Despedida consegue ser muito original com sua própria história e personagens.

A direção de arte de Gabriela Burck é rica em detalhes, desde o espaço do casarão, passando pela floresta e culminando no esconderijo das bonecas de pano. A coroa de colheres tem um design simplesmente brilhante. A fotografia de Livia Pasqual consegue dar uma qualidade onírica para as cenas reais e um naturalismo bárbaro para os trechos mais surreais. Os efeitos visuais são bons e os trechos animados chamam a atenção pela qualidade. Os trechos musicais são interessantes, principalmente o momento em que temos uma coreografia no meio da floresta.

Quanto ao elenco, as atuações são desiguais, mas não chegam a ser problemáticas. Talvez a intensidade de algumas performances, como as de Sandra Dani e Ida Celina, poderia ser atenuada. Nota-se que a pequena Anaís é esforçada, enquanto Marielly da Cruz, como a amiga da protagonista, Madalena, tem uma atuação bastante natural. Patricia Soso é quem surge como destaque do elenco (e o detalhe da purpurina que fica no rosto o filme todo é perfeito). É ela, no fim das contas, quem tem contas maiores a acertar e consegue nos transmitir o peso daquele momento. Luciana Mazeto e Vinicius Lopes entregam um longa-metragem luxuoso, que merece ser visto junto da criançada. Ainda mais por tratar de assuntos sérios como o luto e a morte de maneira imaginativa, com os dois pés no fantástico.

A carreira de festivais pelos quais Despedida passou e os prêmios que conquistou são importantes de lembrar. O longa, que teve produção da Pátio Vazio e Jaqueline Beltrame, teve sua primeira exibição na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2021. No ano seguinte, foi selecionado para o Olhar de Cinema, em Curitiba, na mostra Pequenos Olhares. Depois, esteve na Mostra Gaúcha no Festival de Cinema de Gramado, de onde saiu com três kikitos: Melhor Atriz (Wegner), Direção de Arte (Gabriela Burk) e uma Menção Honrosa para Clemente Viscaíno. Ainda em 2022, Burk repetiu a conquista de Melhor Direção de Arte e Lívia Pasqual recebeu o louro de Melhor Fotografia no 12º Festival Internacional de Cinema de Balneário Camboriú (o FICBC). Em 2023, teve sessões no Fantaspoa, Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, onde conquistou o prêmio de Melhor Filme Nacional. Tendo entrado em cartaz na França em dezembro de 2022, só agora teremos Despedida nos cinemas comerciais do Brasil, uma espera longa, mas que compensa, certamente.

DESPEDIDA
Brasil – 90 min – Fantasia
Direção e roteiro: Luciana Mazeto, Vinícius Lopes
Com  Anaís Grala Wegner, Patricia Soso, Ida Celina, Sandra Dani, Marielly da Cruz, Kiko Ferraz, Clemente Viscaíno
Cotação: 8

Crítica publicada originalmente na cobertura da 45ª Mostra de Cinema de São Paulo e no Fantaspoa 2023.