Produção original do streaming australiano Stan, O Portal Secreto chega aos cinemas brasileiros sem grande alarde, mas com potencial para entreter quem procura uma história imaginativa, com doses generosas de magia. Baseado na série de livros de Tom Holt, J.W. Wells & Co., ainda inédita no Brasil, o filme conta com roteiro adaptado por Leon Ford (de Wanted, 2018) e direção de Jeffrey Walker (diretor de vários episódios da série Modern Family, 2013-19). No elenco, os nomes mais conhecidos são de Sam Neill (o eterno Alan Grant de Jurassic Park, 1993), o duas vezes ganhador do Oscar Christoph Waltz (por Bastardos Inglórios, 2009, e Django Livre, 2012) e Miranda Otto (a Éowyn, da trilogia O Senhor dos Anéis, 2001-03).
Na trama, acompanhamos o jovem Paul Carpenter (Patrick Gibson, de Tolkien, 2019) em um dia bastante azarado. Ele precisa correr para fazer uma entrevista, mas tudo o que pode dar errado, dá. Quando chega à fila para a vaga, um cachorro rouba seu cachecol e ele persegue o bicho, se achando na porta de outra entrevista de emprego, com as pessoas aparentemente lhe esperando por lá. No local, ele conhece uma outra candidata ao cargo, Sophie Pettingel (Sophia Wilde, de Tom Jones, 2023), e seus possíveis empregadores, dentre eles o chefe da empresa, Humphrey Wells (Waltz), e os diretores Dennis Tanner (Neill), Condessa Judy (Otto), Nienke Van Spee (Rachel House, de Cowboy Bebop, 2021) e Casimir (Chris Pang, de Palm Springs, 2020). A entrevista vai aos trancos e barrancos, mas algo incomoda Paul sobremaneira: ele não faz ideia do que a tal empresa faz ou para que cargo está sendo sondado. No fim das contas, ele consegue a vaga e passa a trabalhar ao lado de Sophie. Ele descobre que a empresa J.W. Wells & Co. trabalha com coincidências. Ou melhor, fazer com que atos e ações pareçam obras do acaso quando, na verdade, são destinadas a tal. O rapaz é incumbido por Wells de encontrar um portal secreto no prédio da empresa e isso acaba o colocando em uma jornada onde descobrirá algumas verdades sobre o passado da Wells & Co. e de seu futuro.
Lembrar da saga Harry Potter é uma inevitabilidade. Por se passar em Londres e ter uma trama mágica, envolvendo uma sociedade secreta e duendes, difícil não fazer o cotejo entre as duas franquias. O bruxinho de J.K. Rowling, no entanto, era um programa mais voltado para a criançada (ao menos, os primeiros capítulos, com a plateia amadurecendo junto dos personagens), enquanto este O Portal Secreto não parece direito saber para qual público deseja se comunicar. É possível que queiram um espectador pré-adolescente, mas o ritmo lento – principalmente na primeira metade da trama – tende a afastar esta parcela de espectadores.
Algo que atrapalha a melhor fruição da trama é o tempo investido em deixar o protagonista no escuro – e, com isso, a plateia junto. É tanto segredo sobre o que a J.W. Wells faz que, após o início do segundo ato, isso se torna um empecilho para a história andar. Só quando começamos a compreender o que se passa naqueles corredores é que tudo deslancha. Algumas piadas são muito boas, carregando bem o estilo de humor britânico, conhecido por ser um pouco mais seco. Sam Neill é quem toma as rédeas dos trechos mais cômicos, com Christoph Waltz encarando seu tradicional vilão – mas com um twist, que deixaremos você, caro leitor, descobrir. A dupla principal, encarnada por Gibson e Wilde, tem química, mas também demora para dizer a que veio. Aqui merece distinção as boas inserções – geralmente como alívio cômico – da espevitada Rosie Tanner (Jessica De Gouw, de Pennyworth, 2020-21), que se mostra uma secretária de olho vivo e com ligações mais fortes com os demais personagens do que poderíamos imaginar de início.
O que realmente fascina em O Portal Secreto é, exatamente, o item que dá título ao longa. Quando Paul Carpenter encontra a porta mágica, que dá passagem para qualquer lugar do mundo, o filme se aproveita disso para divertir com as inúmeras possibilidades que ela permite. Seria ótimo, aliás, que a trama investisse mais nessas várias utilidades do umbral, mas, como dito, Jeffrey Walker toma um tempo precioso para colocar as peças no lugar, deixando difícil que isso aconteça antes na trama. A virada do segundo para o terceiro ato reserva surpresas interessantes e potencial para muitas histórias naquele universo.
Resta saber como a produção se sairá nos mercados internacionais. Em diversos países, o filme foi lançado direto no streaming (na Inglaterra, na Sky; nos Estados Unidos, na MGM+), enquanto outros, como o Brasil, Irlanda e Espanha, ganhou as telonas. Não é uma produção que deva levar multidões aos cinemas, mas é um filme com qualidades, bem realizado, com os pequenos deslizes citados não atrapalhando totalmente o programa. Agora, se os demais sete livros da série serão adaptados, é algo difícil de prever. O que se sabe ao certo é que Tom Holt segue lançando seus romances, com o mais recente, The Eight Reindeer of the Apocalypse, tendo chegado às livrarias britânicas neste ano.
O PORTAL SECRETO
THE PORTABLE DOOR
Austrália, EUA – 116 min – Fantasia
Dir.: Jeffrey Walker
Rot.: Leon Ford, baseado nos livros de Tom Holt
Com Patrick Gibson, Sophie Wilde, Christoph Waltz, Sam Neill, Miranda Otto, Rachel House, Jessica De Gouw, Chris Pang, Damon Herriman, Christopher Sommers
Cotação: 6