Você provavelmente viu a cena algumas vezes. Tom Cruise em cima da moto, acelerando a toda velocidade e saltando de um penhasco, com o paraquedas sua única medida de segurança. Esta sequência perigosíssima foi dividida com o público há tanto tempo que parece até que já vimos o filme em questão. Mas não. Por conta da COVID e dos atrasos decorrentes da pandemia – tanto nas gravações quanto no calendário de lançamentos do cinema – Missão: Impossível – Acerto de Contas: Parte Um estreia na telona três anos depois da primeira data agendada (23 de julho de 2021). Felizmente para os fãs, a espera é recompensada por um dos mais energéticos capítulos da saga, colocando o personagem de Cruise em uma caçada a um objeto com potencial de acabar com o mundo como o conhecemos. Ou, como Benji (Simon Pegg) comenta com seus amigos, uma segunda-feira comum para eles.
Impressiona a longevidade da franquia Missão: Impossível. Os dois primeiros capítulos, lançados em 1996 e 2000, dirigidos por Brian De Palma e John Woo, respectivamente, foram sucessos de bilheteria, mas tiveram resultado misto da crítica. Tanto que Cruise demorou seis anos para voltar ao personagem, em Missão: Impossível 3 (2006), com direção de J.J. Abrams, um título que começou a colocar a franquia nos eixos, ainda que não tenha lucrado tanto quanto poderia. Veio depois Missão: Impossível: Protocolo Fantasma (2011), de Brad Bird, que consolidou definitivamente a série como um programa altamente lucrativo para a Paramount, conseguindo quase quatro vezes o valor do orçamento nas bilheterias. Não só isso, mas entregando uma fita de ação como poucas.
Na trama, um submarino russo é atingido por um míssil lançado pelos próprios tripulantes da embarcação. Não foi um erro humano, no entanto. O computador aparentemente se rebelou e agiu por conta própria, confundindo os russos. Chamado de Entidade, o programa de é uma inteligência artificial perigosíssima e que, tudo indica, está agindo por conta própria. A tripulação do submarino estava em poder de um par de chaves cruciforme que dava acesso à fonte desta I.A. Ethan Hunt é destacado para recuperar uma parte desta chave que estaria em posse de sua aliada Ilsa Faust (Rebecca Ferguson). Ao buscar informações sobre este item, Hunt descobre do poder da Entidade e decide destruí-la, sabendo que ela seria perigosa demais para uma pessoa apenas ter acesso. Ele parte atrás da segunda parte da chave, o que lhe coloca em rota de colisão com uma misteriosa figura de seu passado, Gabriel (Esai Morales), e de sua capanga, a mortal Paris (Pom Klementieff). No caminho, Ethan – sempre junto de seus aliados Luther (Ving Rhames) e Benji – consegue a ajuda da ladra Grace (Hayley Atwell) para tentar unir o par de chaves. O problema no plano é que ninguém sabe onde a chave deve ser colocada e, por isso, é necessário deixar que os vilões ajam para que seja possível segui-los. A trajetória de Hunt e os demais os levará de volta ao contato de velhos conhecidos, como Eugene Kittridge (Henry Czerny), o antigo líder da IMF (visto pela primeira e última vez no longa de estreia da franquia, em 1996), e Alanna Mitsopolis (Vanessa Kirby), uma rica criminosa (vista em Efeito Fallout) que deseja colocar as mãos na chave.
Como de costume, a ação do longa-metragem é espalhada por partes diversas do mundo. Neste capítulo, temos sequências na Itália (Veneza e Roma), Emirados Árabes, Noruega e Inglaterra. Em uma das cenas mais movimentadas, vemos Ethan Hunt e sua nova aliada Grace dirigindo um Fiat 500 em escadarias históricas de Roma. Quem ficou até o final dos créditos esperando por uma possível cena pode ter ficado decepcionado por não haver, mas pode ler que as gravações na escadaria com o carro foram realizadas em composição com trechos filmados em estúdio, não estragando qualquer monumento histórico da cidade. Cruise pode ser amalucado por ação, mas não seria desrespeitoso com marcos importantes culturais.
Dizer que Missão: Impossível – Acerto Final – Parte Um é uma montanha russa é um clichê dos mais encardidos, mas é exatamente isso que Tom Cruise e companhia preparam para o espectador. Ainda que seja o título mais longo da franquia, com seus 163 minutos, eles passam muito ligeiro. Isso porque a narrativa nunca para. Ela começa com o submarino explodindo, passa por Ethan Hunt em uma missão no deserto, o coloca em uma corrida para buscar a chave em um aeroporto (com o bônus de termos Benji buscando uma maleta com potencial de explodir o local), o vemos na Itália sendo perseguido e tresloucado atrás de um veloz trem. A cena já citada do pulo do penhasco é um grande momento, mas é um de muitos outros que a produção guarda para o espectador. O terço final, com toda a ação dentro do trem, é agitado e tenso na medida.
Tom Cruise não esconde se divertir horrores com o personagem e mantém o protagonismo de Ethan Hunt sem parecer se esforçar para tanto. Ele sabe dividir o espaço com seus colegas e a inclusão da ótima Hayley Atwell na franquia dá ao agente da IMF uma parceira à altura para suas aventuras. Rebecca Ferguson aparece menos do que poderia, mas isso é usual em uma franquia com tantas partes sempre se movimentando. O retorno de Henry Czerny e Vanessa Kirby tem razão de existir e com potencial para crescer na sequência. Já as inclusões de Pom Klementieff (como a capanga muda da vez) e de Cary Elwes (como o chefe da CIA) parecem desperdício de talento, visto que nenhum ganha tudo o que seus potenciais teriam para entregar. Klementieff, ao menos, se mostra uma atriz preparada para a ação e tem um arco destacável. Elwes é quase um cameo.
Deixando pontas soltas para a sequência, com estreia marcada para junho de 2024, Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte Um é mais um capítulo intenso da franquia capitaneada por Tom Cruise. Não decepciona quem espera por muita ação e cenas mirabolantes e consegue ainda manter tudo isso com um roteiro que não ofende a inteligência de ninguém. Aliás, McQuarrie reutiliza uma ideia que havia usado em Operação Valquíria para justificar que todos falem em inglês no filme. No início da história, ouvimos os personagens falando em russo no submarino para, depois, ouvirmos a fala traduzida se sobrepondo. Uma maneira criativa para poder manter todos os personagens falando o mesmo idioma.
E sobre o futuro da série? Alguns diziam que Cruise estava pronto para pendurar a chuteira após a parte dois estrear, mas tudo indica que o astro tem planos para seguir até quando puder fazer seus malabarismos. Em entrevista, ele comentou que adoraria fazer como Harrison Ford – que acabou de estrelar Indiana Jones e a Relíquia do Destino aos 80 anos de idade – e seguir como Ethan Hunt mesmo octogenário. Se os filmes mantiverem a qualidade, não seria problema algum.
MISSÃO: IMPOSSÍVEL – ACERTO DE CONTAS – PARTE UM
MISSION: IMPOSSIBLE – DEAD RECKONING – PART ONE
EUA – 163 min – Ação
Dir.: Christopher McQuarrie
Rot.: Christopher McQuarrie, Erik Jendresen
Com Tom Cruise, Hayley Atwell, Ving Rhames, Simon Pegg, Rebecca Ferguson, Vanessa Kirby, Esai Morales, Pom Klementieff, Mariela Garriga, Henry Czerny, Shea Whigham, Greg Tarzan Davis, Frederick Schmidt, Cary Elwes, Charles Parnell, Rob Delaney, Indira Varma, Mark Gatiss
Cotação: 8