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Elementos

Fotos: Disney/Pixar

Por Rodrigo de Oliveira

A Pixar é conhecida por seus filmes high concept, uma premissa básica facilmente compreensível que cria mundos extraordinários. E se brinquedos ganhassem vida quando ninguém está olhando? E se os monstros do armário existissem e buscassem fonte de energia através dos gritos das crianças? E se o mundo fosse habitado por carros falantes? Imagine uma realidade em que as emoções dentro de nós têm vontade própria? Estes são apenas alguns exemplos, mas a Pixar está cheia deles. Elementos é mais um nesta longa lista a trazer uma ideia fora da curva para sua história: e se elementos como fogo, terra, água e ar tivessem personalidades e vivessem em um mundo só deles? Rara comédia romântica do estúdio, a produção comandada por Peter Sohn (de O Bom Dinossauro, 2015) traz uma bela trama sobre união e diversidade.

Acompanhamos a história da família de Faísca (Leah Lewis), uma garota de fogo, filha de imigrantes que chegaram à Cidade dos Elementos buscando uma vida melhor. Brasa (Ronnie Del Carmen) e Fagulha (Shila Ommi) sofreram com a xenofobia de outros elementos, que achavam perigosa a presença de habitantes de fogo em suas cercanias. Mas eles passaram por cima disso e construíram uma loja desenhada para atender outros membros de seu povo. Desde o começo, a loja está prometida para ser assumida por Faísca quando ela tivesse idade para tanto. Certo dia, ao não conseguir segurar seu temperamento explosivo perto de clientes, Faísca estoura no porão da loja e causa uma inundação no local. É através dos canos que aparece o fiscal da prefeitura Gota (Mamoudou Athie), um rapaz da água, simpático, extremamente emotivo e que não vê outra saída se não dar uma multa para Faísca e sua família. Depois de explicar o background do local e apelar pela simpatia do rapaz, os dois correm atrás para retirar as multas e manter a loja aberta – mas a ação é tardia. Uma forte amizade surge entre os dois, que tem tudo para virar um romance. Mas existe um óbvio problema: como água e fogo vão se misturar sem se eliminar?

Difícil não se envolver com o relacionamento de Faísca e Gota, visto que o romance entre os dois surge bastante orgânico e sem pressa. É daqueles exemplos de comédia romântica em que os roteiristas fazem questão de mostrar a química e as qualidades que os protagonistas têm em comum, com uma amizade surgindo primeiro para só depois ambos perceberem que existe algo mais ali. Não é nada novo, mas funciona muito bem, principalmente por conta do coração que a Pixar costuma injetar em suas tramas.

A mensagem de inclusão que o filme passa e como representa de maneira alegórica o preconceito que muitos imigrantes sofrem deve acertar em cheio a criançada (e os adultos). Peter Sohn utilizou o passado de sua família – seus pais são imigrantes coreanos – para conceber aquele conflito e caprichou na criação da cultura da família do fogo, uma espécie de doppelganger de seus familiares. O roteiro não é perfeito, é verdade. Até que Faísca e Gota se conheçam a história parece demorar a engrenar. É, afinal de contas, muita coisa para dar conta em pouco tempo – temos que entender como aquele mundo funciona, conhecer os personagens e saber de seus objetivos. Assim que o casal é introduzido, no entanto, Elementos engrena de verdade.

Quanto à animação em si, a Pixar nunca decepciona neste quesito. Não importa qual seja o conceito por trás do longa, sempre é notável o esmero do time de animadores para conceber algo sui generis. Neste caso, temos elementos que não possuem uma materialidade fácil de criar. Mas tanto o fogo quanto a água são concebidos de maneira criativa e funcional, mantendo várias de suas características do mundo real e, claro, ganhando novas facetas para que a história faça sentido. Outro quesito a ser elogiado é a trilha sonora de Thomas Newman, com instrumentos de cordas que dão uma pegada étnica interessante, assim como vocais que dão uma roupagem bastante atual para os temas. A canção Steal the Show, cantada por Lauv, é outro ponto alto da trilha.

Para quem for curtir no cinema, Elementos tem um bônus especial: a inclusão do curta O Encontro de Carl, trazendo de volta os personagens de Up: Altas Aventuras Carl Fredricksen (com voz de Ed Asner, em seus últimos trabalhos) e Dug (voz de Bob Peterson). A história é sensível, como podemos esperar de uma trama com Carl indo a um primeiro encontro depois de anos sozinho. Nos Estados Unidos, onde estreou uma semana antes que o Brasil, Elementos não fez uma bilheteria graúda, o que acionou alarmes dentro do estúdio. É bom lembrar que desde o começo da pandemia, três longas da Pixar estrearam direto no streaming, Soul (2020), Luca (2021) e Red: Crescer é uma Fera! (2022), e Lightyear (2022), o primeiro a retornar aos cinemas, foi um fracasso. Com várias sequências agendadas para o futuro, como continuações de Toy Story e Divertidamente, o futuro de produções originais tende a ser mais difícil. Ainda é cedo para apontar se Elementos renderá com plateias internacionais, mas o que se sabe é que a Disney está vendo com atenção os resultados deste e de Elio (2024) para planejar seu futuro. Uma pena que um estúdio que por muitos anos se mostrou infalível esteja passando por momentos de incerteza. Ainda mais quando segue lançando bons trabalhos, mesmo que não sejam abraçados massivamente pelo público.

 

FICHA TÉCNICA
ELEMENTOS
ELEMENTAL
EUA – 109 min – Comédia Romântica
Direção: Peter Sohn
Roteiro: John Hoberg, Kat Likkel, Brenda Hsueh
História: Peter Sohn, John Hoberg, Kat Likkel, Brenda Hsueh
Com as vozes originais de Leah Lewis, Mamoudou Athie, Ronnie Del Carmen, Shila Ommi, Wendi McLendon-Covey, Catherine O’Hara
Com as vozes na versão brasileira de Luiza Porto, Dláigelles Silva, André Mattos, Marisa Orth
Cotação: 7

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