por Rodrigo de Oliveira
Paulo Miklos tem se mostrado um ator de mão cheia não é de hoje, acumulando bons trabalhos no cinema. Os longas O Invasor (2001), Estômago (2007), É Proibido Fumar (2009), Califórnia (2015) e os curtas Quando Parei de Me Preocupar com Canalhas (2015) e Dá Licença de Contar (2015) não dão muito espaço para discussão quanto a qualidade de Miklos como ator. Em O Homem Cordial, o cineasta Iberê Carvalho utiliza a persona roqueira do seu protagonista para criar um personagem à beira de um colapso. História contundente, muito próxima da realidade brasileira, o longa se apresenta como uma guinada na jovem carreira de Carvalho. Quem assistiu ao Último Cine Drive-In (2015), uma produção bem clássica e nostálgica, não poderia imaginar qual seria a próxima história a ser comandada pelo diretor. Exibido no Festival de Cinema de Gramado em 2019, O Homem Cordial saiu do evento gaúcho com dois merecidos Kikitos: Melhor Ator (Miklos) e Trilha Sonora. Teve carreira internacional em festivais na França, Egito e Estônia e, finalmente, chega aos cinemas brasileiros em 2023.
O roteiro de O Homem Cordial é de Carvalho ao lado do argentino Pablo Stoll. A trama começa de forma confusa. Uma câmera de celular gravou uma discussão, algo que parecia uma acusação de roubo. Um garoto assustado é visto. Um homem parte para o seu auxílio. Mas pouco se sabe. Pulamos para um show. Uma banda de rock, capitaneada por Aurélio Sá (Miklos), é vaiada e expulsa do palco pelo público, que joga garrafas e lixo sobre os músicos. Com o desenrolar da história, descobrimos que Aurélio tentou ajudar um menino, acusado do roubo de um celular. Sem muitas explicações, este fato fez com que um policial fosse assassinado. Agora, por onde Aurélio passa, ele é hostilizado. Também é perseguido por um sujeito e seu celular. Não bastasse isso, seu parceiro de banda sofreu um infarto e teve de ser hospitalizado.
Para não entrar em muitos detalhes da trama, Aurélio se vê sozinho, sem celular e em uma região não muito amistosa de São Paulo. Ele acaba contando com a ajuda da jornalista independente Helena (Dandara de Morais), que está mais interessada em saber a verdade dos fatos e do principal problema: onde está Mateus (Felipe Kenji), o menino que havia sido acusado de roubo? Isso levará Aurélio a reencontrar seu amigo de longa data Béstia (Thaíde), o dono de um bar que poderá ajudar nessa questão.
Iberê Carvalho nos leva para uma jornada perigosa pela noite de São Paulo. A câmera é nervosa, circular, tremida. Na primeira metade do filme, temos Aurélio como o centro da história – seu drama ao ser hostilizado e não poder chegar em casa em paz. Logo, a trama muda de foco e a busca por Mateus vira o principal ponto de O Homem Cordial. Carvalho é hábil em manter o espectador na ponta da cadeira com sua narrativa rápida e pelo suspense que imprime em relação ao paradeiro do menino. Corajoso ao pegar temáticas espinhosas como a violência policial, o filme consegue levantar questões com potencial para gerar polêmica.
A temática racial é outro ponto forte do longa-metragem e o cineasta parece ter se cercado de cuidados para retratar de forma mais correta possível – sendo branco, ele aponta o filme como um mea culpa. Até por isso, o longa começa com o drama de um músico branco, bem-sucedido, e modifica o foco para o lado mais frágil da corda. Ao vermos os problemas por que passa Mateus, as questões de Aurélio passam a ser vistas com bem menos importância. O destaque aqui fica para a cena da entrega de uma encomenda feita pelo menino a uma moça de classe média alta. Todo o preconceito enraizado em falsas gentilezas e a maneira como essa entrega é realizada, quase como numa prisão, nos mostram um lado do Brasil muito próximo.
Narrativamente interessante, com planos-sequência bem executados, O Homem Cordial tem no elenco grandes destaques. Além de Miklos conseguir ir além de sua persona roqueira, transformando o Aurélio em alguém muito diferente do ex-Titãs, Thaíde se mostra uma bela surpresa. O rapper tem carisma e se sai muito bem em seu primeiro papel de destaque no cinema. Dandara de Morais é a bússola moral do filme, sendo uma das personagens mais corajosas e ousadas do longa. Uma pena que o filme não terminou quando deveria. O Homem Cordial seria ainda mais contundente sem a sequência final, ambientada em um programa de TV. O impacto das cenas do flashback teria sido mantida de maneira mais forte.
FICHA TÉCNICA
O HOMEM CORDIAL
BR – 85 min – Drama
Dir.: Iberê Carvalho
Rot.: Iberê Carvalho e Pablo Stoll
Com Paulo Miklos, Thaíde, Bruno Torres, Dandara de Morais, Fernanda Rocha, Thaia Perez, Thalles Cabral, Roberta Estrela D’Alva, Theo Werneck, Mauro Schames, Luiz Felipe Lucas, Felipe Kenji
Cotação: 8
Crítica publicada originalmente durante a cobertura do 47º Festival de Cinema de Gramado. Leia nossa cobertura completa no link.