Por Rodrigo de Oliveira
Como é bom ver Nicolas Cage em um novo momento de sua carreira. Nos últimos anos, o ator parecia estar perdido em papéis pouco gratificantes em produções mequetrefes, nada condizentes com seu status. Hoje se sabe que Cage estava com dívidas massivas por conta de investimentos que fez em bens imobiliários – que implodiram com a crise americana. Com este problema aparentemente resolvido, o astro (vencedor do Oscar por Despedida em Las Vegas, 1995) pode finalmente escolher com mais parcimônia os trabalhos que levariam o seu nome. Desta nova leva, destacam-se títulos como Pig: A Vingança (2021) – segundo o próprio Cage, sua melhor performance – e o divertido O Peso do Talento (2022), no qual o ator tira sarro de si mesmo. Renfield: Dando o Sangue pelo Chefe é mais uma boa escolha do astro, um longa onde ele pode pirar ao viver um personagem que há tempos era seu sonho interpretar: o Conde Drácula.
A direção é de Chris McKay (de Lego Batman: O Filme, 2017, e A Guerra do Amanhã, 2021), com roteiro de Robert Kirkman (de The Walking Dead, 2010-22) e Ryan Ridley (de Rick e Morty, 2013-17). A união de um escriba conhecido por uma série de zumbis com outro, mais identificado com a comédia, faz todo o sentido e explica o clima de terrir em que Renfield investe seus 93 minutos. Importante mencionar que embora Cage esteja gigante no pôster (e no filme), seu personagem é coadjuvante. O real protagonista – e não à toa o filme leva seu nome – é Nicholas Hoult interpretando o lacaio Robert Montague Renfield. Ao seu lado, Awkwafina é a protagonista feminina, vivendo a policial incorruptível Rebecca Quincy.
Na trama, Renfield está cansado de viver um relacionamento tóxico com seu mestre Drácula. Desde o seu primeiro encontro, na Transilvânia, séculos atrás, Renfield foi nada menos do que um lacaio fiel, sempre atendendo a todos os caprichos do perigoso vampiro. A dinâmica costuma ser sempre a mesma: Drácula chega ao píncaro de seu poder, toca o terror na região, é derrotado por algum mocinho da vez e precisa recuperar as forças por um tempo. Neste momento, o conde vive este período recluso, onde precisa muito de Renfield para alimentação. O lacaio não deseja ser um vilão e bolou um plano quase perfeito para cuidar de seu monstro: visitar grupos de apoio e caçar outros monstros, os que afligem aquelas vítimas. Por um tempo a ideia dá certo, mas Drácula deseja algo mais puro: um grupo de freiras, um ônibus cheio de líderes de torcida, algo do tipo.
Certo dia, o caminho de Renfield se cruza com o detestável Teddy Lobo (Ben Schwartz), filho da poderosa chefona Bellafrancesca Lobo (Shohreh Aghdashloo). Ao matar os capangas da família e assustar Teddy, Renfield joga o mafioso júnior nas mãos da polícia – na figura da intensa agente de trânsito Rebecca Quincy, com contas não resolvidas com os Lobo, responsáveis pela morte do seu pai. Ao prender o rapaz com muitos pacotes de drogas, Rebecca acredita ter vencido. Ela, no entanto, não consegue manter o sujeito na cadeia por conta da corrupção na força. Quando tenta por as mãos em Teddy novamente, Renfield (com sua força aumentada pela ingestão de insetos) aparece e demonstra suas habilidades em combate, salvando a vida da policial. Os dois começam uma amizade, um novo momento na vida de Renfield que, a partir dos conselhos que recebe no grupo de apoio, resolve deixar Drácula para trás. Mas o mestre do mal aceitaria isso tão facilmente?
Uma questão que pode surgir para quem curtiu o longa de Taika Waititi e Jemaine Clement O Que Fazemos nas Sombras (2014) e acompanha a série What We Do In the Shadows (2019-) é se existe ainda espaço para fazer graça com a relação lacaios e vampiros. Renfield nunca é tão engraçado quanto as duas produções citadas, mas consegue ser diferente o suficiente para que a comparação não surja em nossa mente a toda hora. O fato de não ser um documentário falso (como as criações de Waititi e Clement) já ajuda. Mas aqui a ideia é misturar muito mais ação no bolo. E ter Nicolas Cage como Drácula sempre ajuda. Aliás, What We Do in the Shadows costuma ser muito reverente aos vampiros da Cultura pop e não é de se duvidar que Cage seja citado em algum capítulo futuro (ou até mesmo apareça, por que não?).
A classificação indicativa de Renfield é 18 anos, uma corajosa decisão da Universal em manter um corte para adultos de um filme que, certamente, faria a festa dos adolescentes. O que acontece no longa é um rio de sangue, mas, curiosamente, é do tipo que não deixa ninguém perturbado. Isso por conta da maneira como as cenas são filmadas, tão exageradas que se tornam quase um desenho animado sangrento. Em dados momentos, as lutas parecem saídas de um vídeo game, com direito até a raio x da vítima, no melhor estilo Mortal Kombat. Braços são arrancados e usados como armas, pescoços são rasgados, cabeças decepadas e tripas expostas. De novo, tudo tão exagerado que o que poderia traumatizar qualquer pessoa em um filme mais sério é motivo de piada neste longa.
Nicholas Hoult é um ator competente e vem mostrando isso desde Um Grande Garoto, em 2002, quando atuou ao lado de Hugh Grant na adaptação da obra de Nick Hornby. Para este papel, talvez tenha faltado um pouco mais de timing cômico em algumas falas – nas primeiras lutas, ele tenta fazer graça e as piadas não acertma o alvo. Quando ele está pareado com Awkwafina ou Nicolas Cage, Hoult parece mais confortável e faz bem a escada para os dois atores, mais talentosos na arte de fazer rir. Awkwafina é uma revelação do humor dos últimos anos e Cage pode fazer o que bem quiser, desde dramas até comédias. Hoult se sai bem nas cenas de ação ao menos, mostrando que seu passado em títulos como Mad Max: Estrada da Fúria (2015) e na franquia X-Men (2011-19) não foram em vão.
Quanto a Cage, ele não poderia estar mais em seu território como o Conde Drácula. O filme abre, inclusive, com uma brilhante recriação do filme de Tod Browning, de 1931, que contava com Bela Lugosi no papel central e Dwight Frye como Renfield. O fato de a Universal ser o estúdio de ambos os longas facilitou essa ligação, com Renfield se mostrando uma sequência não oficial e cômica do clássico de horror. Ver Nicolas Cage emulando Lugosi naquelas cenas em preto e branco é incrível. Quando a trama está nos dias atuais, o ator utiliza seu conhecido método de atuação intensa e de entregar seu texto com fúria para criar um Drácula muito próprio. O espectador se diverte muito em Renfield, mas não tanto quanto Nicolas Cage está se divertindo ao interpretar o clássico personagem criado por Bram Stoker.
A trama poderia ser melhor, é verdade. A família Lobo não se mostra tão interessante quanto poderia, mesmo contando como bons atores como Shohreh Aghdashloo e Ben Schwartz nos papéis. Não existe novidade naquele núcleo, com o mafioso júnior e a mãe poderosa rendendo pouco para o todo. A filha buscando vingança pela morte do pai também é algo velho – mas, ao menos, colocaram alguma substância na personagem. Fosse realizado em décadas passadas, provavelmente a policial seria apenas uma desculpa para que Renfield tivesse um interesse amoroso. Aqui, Rebecca Quincy não só tem objetivos, como é ativa nas lutas (ainda que não tenha superpoderes para tanto).
O desfecho desfaz alguns acontecimentos anteriores, o que geralmente não é um bom sinal, mas como a ideia ali é fazer rir primordialmente, a artimanha pode ser desculpada. O que fica complicada é a reaparição de Drácula em uma possível sequência, dada a criativa resolução para o vilão. Renfield acerta ao utilizar os elementos conhecidos dos filmes de horror ao subvertê-los ou quando os usa ao seu favor (como é o caso do terço final). Visualmente, o filme é interessante, desde seu início, ao emular o clássico de Tod Browning, até os créditos finais, que ganham uma tonalidade rubro-esverdeada, como se estivéssemos vendo um 3D antigo, com cenas do filme exibidas ao fundo.
FICHA TÉCNICA
RENFIELD: DANDO O SANGUE PELO CHEFE
RENFIELD
EUA – 93 min – Comédia, Ação, Horror
Direção: Chris McKay
Roteiro: Robert Kirkman, Ryan Ridley
Com Nicholas Hoult, Awkwafina, Ben Schwartz, Shohreh Aghdashloo, Brandon Scott Jones, Adrian Martinez, Camille Chen e Nicolas Cage
Cotação: 7