por Rodrigo de Oliveira
Shazam! Fúria dos Deuses chega em um momento de transição dentro da Warner Bros. Depois de baterem cabeça sobre o futuro da DC nos cinemas e do resultado aquém do esperado de Adão Negro (2021) nas bilheterias, o centenário estúdio resolveu por um restart e chamar uma dupla com potencial para tocar os novos projetos da casa: James Gunn (conhecido pelos sucessos na Marvel de Guardiões da Galáxia e na própria DC com Esquadrão Suicida e a série Pacificador) e Peter Safran (produtor de sucessos dentro da Warner como Invocação do Mal e Annabelle, além de heróis como Aquaman e Shazam!). O duo já anunciou planos para este novo capítulo da renomeada DC Studios, com o pontapé inicial comandado pelo próprio Gunn em Superman Legacy, em 2025. Até lá, no entanto, muita coisa da gestão passada está na fila para estrear, como o aguardado (e conturbado) Flash, Aquaman 2 e Besouro Azul. Como estes capítulos vão ser costurados dentro dos novos planos da DC? O elenco será todo renovado ou apenas Henry Cavill tomou um pé? Shazam! Fúria dos Deuses começa a responder algumas dessas questões – lembrando, claro, que Flash e suas desventuras em universos paralelos pode mudar tudo.
Dirigido por David F. Sandberg, o mesmo do longa original, com roteiro de Henry Gayden e Chris Morgan, Shazam! Fúria dos Deuses mostra o herói central (Zachary Levi) em um momento de dúvidas. Ele tenta ser o líder de sua superfamília, mas costuma ser rechaçado pelos demais, sem tanto interesse em estratégias. O principal refratário a essas reuniões heroicas é Freddy (Jack Dylan Grazer/Adam Brody), que prefere se divertir com seus superpoderes, mesmo que a opinião pública não esteja necessariamente do lado dos heróis, os chamando de Fracassados da Filadélfia. Ele se afeiçoa por uma nova colega de aula, Anne (Rachel Zegler) que, para surpresa dele, parece se interessar também. Neste cenário, as irmãs Héspera (Helen Mirren) e Kalypso (Lucy Liu), filhas do deus Atlas, invadem o nosso mundo pela quebra da magia do cajado de poder partido por Shazam no longa anterior. Elas estão em busca desse artefato poderoso, que suga a energia dos poderes mágicos, e de uma semente que dará vida ao seu mundo destruído. Passando por um período que só pode ser chamado de síndrome de impostor, Shazam terá de juntar forças e deter essas poderosas deusas.
Assim como no original, Shazam! Fúria dos Deuses tenta não se levar muito a sério. A ideia é ser uma aventura divertida e escapista, com bons efeitos visuais e ação na medida. Os assuntos mais sérios do original retornam com um pouco mais de espaço, como o medo do abandono – as crianças/adolescentes ali teriam, em tese, um tempo determinado para ficar naquela casa, junto de seus irmãos adotivos. Billy Batson (Asher Angel) aparece menos, mas seus diálogos com Mary (Grace Fulton) sobre envelhecer, deixar o lar e partir para a faculdade são palpáveis, dramas mais reais do que costumamos ver em produções do tipo. O bullying sofrido por Freddy segue neste episódio, mas talvez o que melhor é trabalhado (embora com espaço diminuto) seja a forma como Pedro (Jovan Armand/D.J. Cotrona) assume sua homossexualidade para a família. É um momento terno, engraçado e se mostra muito natural, como deveria ser. Eugene (Ross Butler/Ian Chen) não ganha muito o que fazer, enquanto a adorável Darla (Meagan Good/Faithe Herman) se envolve com unicórnios (e com um merchandising descarado de uma marca de balas).
Quanto aos efeitos visuais, são de qualidade superior ao que tem se visto. O dragão que surge na tela tem um visual diferente do usual, mas funciona muito bem. Os seres mitológicos que tomam as ruas – minotauros, ciclopes, mantícoras, unicórnios – são muito superiores às criaturas do longa anterior, com as cenas diurnas não afetando os efeitos de maneira alguma. Ainda existe uma aura de irrealidade do efeito digital que a Warner (e a maioria dos estúdios) não conseguiu se livrar, mas ela é cada vez menos impactante. Sabemos que nada dali existe e nosso cérebro nunca se convence do contrário. Mas há beleza no dragão e criatividade nos demais bichos para que nada disso nos tire do filme.
Embora seja uma franquia que deseja ser conhecida pelo bom humor, faltaram piadas melhores neste capítulo. Pouquíssimas das inúmeras tentativas geram o efeito esperado, um pecado para uma comédia de ação como essa. Um dos melhores momentos é uma carta recebida por Héspera, lida com a seriedade que uma atriz do tamanho de Helen Mirren faria, mas que tem muito mais do que deveria no papel. Djimon Hounsou retorna como o mago que deu os poderes a Shazam e tem alguns momentos cômicos que funcionam. Por outro lado, Zachary Levi, que fez tão bem a faceta pateta do herói no original, não consegue repetir a mesma verve. Quem se destaca é Jack Dylan Grazer, com seus diálogos rápidos e espirituosos, e sua boa dobradinha com Rachel Zegler, em seu primeiro grande papel depois de Amor, Sublime Amor (2021). O romance ali pode até ser meio ligeiro, mas o casal funciona na tela. Lucy Liu e Mirren parecem se divertir com os papéis maléficos, mas a ameaça surge um tanto genérica no fim das contas. Talvez a melhor notícia seja a divisão das irmãs sobre seus objetivos e como essa cisão acaba transformando vilãs clássicas – exceto Kalypso – em algo diferente, mais cinza.
Para responder à pergunta inicial de como Shazam! Fúria dos Deuses transita neste novo momento da DC, serão necessários spoilers. Portanto, pule para o parágrafo seguinte caso não tenha assistido ao filme. Tudo indica que Levy seguirá como o herói na continuidade do DCU, visto que ele é convidado para se juntar à Sociedade da Justiça ao final por ninguém menos que Emilia Harcourt (Jennifer Holland) e John Economus (Steve Agee), a entourage do anti-herói Pacificador. Essa cena pós-créditos é, certamente, um enxerto com toda a cara e assinatura de James Gunn. A aparição de Gal Gadot como Mulher-Maravilha é um indício de que a atriz deve seguir no papel – isso, claro, se Flash não der um jeito de mudar algo. A presença da grande heroína da DC, infelizmente, não é tão empolgante como o filme acredita ser. Primeiro, ela aparece sem rosto – como Superman no primeiro Shazam – em uma sequência de sonho, algo que não funciona nem como comédia. Depois, ela surge em um verdadeiro Deus Ex-Machina, ressuscitando Shazam e falando duas ou três frases antes de desaparecer. Não deveria ser surpresa, dadas as origens gregas de tantas criaturas nessa história, que teríamos ao final um recurso saído diretamente das milenares obras daquela cultura, com um deus aparecendo ao final para resolver tudo. Não existe nenhuma citação a Adão Negro, o clássico rival de Shazam nos quadrinhos, com a segunda cena pós-créditos reintroduzindo outro nêmesis, Dr. Sivana (Mark Strong), que segue preso e conversando com Mister Mind, a lagarta da cena pós-créditos do longa anterior. Se esse personagem vai finalmente ser desenvolvido em um próximo capítulo, só o tempo (e James Gunn) dirá.
Com boas cenas de ação, mas comédia de menos, Shazam! Fúria dos Deuses é um capítulo positivo no Universo DC, que não entedia, mas também nunca empolga como poderia. Longo demais para seu próprio bem, com 130 minutos, a aventura fica um degrau abaixo do original, mas parece ter fôlego para outras aventuras. O coração está no lugar certo, a superfamília funciona e o elenco como um todo está correto. Faltou o riso, algo que não é necessariamente requisitado de produções heroicas, mas que parece ser o alvo de David F. Sandberg e equipe.
FICHA TÉCNICA
SHAZAM! FÚRIA DOS DEUSES
SHAZAM! FURY OF THE GODS
EUA – 130 min – Aventura, Comédia
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Henry Gayden e Chris Morgan
Com Zachary Levi, Asher Angel, Jack Dylan Grazer, Adam Brody, Rachel Zegler, Grace Fulton, Ross Butler, Ian Chen, Meagan Good, Faithe Herman, D.J. Cotrona, Jovan Armand, Lucy Liu, Djimon Honsou e Helen Mirren
Cotação: 6
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