por Rodrigo de Oliveira
Há dez anos, Michael B. Jordan era um ator promissor, que havia conquistado a crítica e o público com sua performance pungente em Fruitvale Station: A Última Parada (2013), dirigido pelo então estreante Ryan Coogler. Pouco depois, Jordan estrelou o malfadado reboot de Quarteto Fantástico (2015), mas encontrou maior sucesso em uma nova parceria com Coogler, um misto de reboot e continuação da cinessérie Rocky, estrelada por Sylvester Stallone, desta vez protagonizada por um pugilista negro, filho de Apollo Creed (Carl Weathers) na franquia original. Creed: Nascido para Lutar (2015) faturou mais de 4 vezes seu orçamento nas bilheterias, garantiu uma indicação ao Oscar para Stallone e, claro, estourou os nomes de Coogler e Jordan – que seguiram trabalhando juntos no arrasa-quarteirão Pantera Negra (2018). Ainda em 2018, Jordan retornou ao papel do atleta em Creed II, com Coogler como Produtor Executivo, mergulhando mais ainda no cânone da cinessérie de boxe, trazendo de volta o vilão Ivan Drago (Dolph Lundgren), responsável pela morte de Apollo em Rocky IV (1985). Mas Creed III aparentava ser o maior desafio de todos para essa nova trilogia, por representar oficialmente a emancipação do personagem da sombra de Rocky Balboa. Stallone anunciou pouco depois de Creed II que não participaria do próximo, o que significava que Adonis Creed precisaria andar com as próprias pernas. Felizmente, Michael B. Jordan não se mostra apenas um ator muito competente, mas um talentoso diretor de primeira viagem.
Para o roteiro de Creed III, Jordan contou com uma história criada por seu amigo e colaborador Ryan Coogler, com o script assinado pelo irmão de Ryan, Keenan Coogler, e por Zach Baylin. Na tentativa de desvencilhar Adonis de Rocky, a trama se muda totalmente da Filadélfia para Los Angeles e traz uma história que nos leva à vida do protagonista antes dos acontecimentos do primeiro Creed. Estamos em 2002 e o jovem Adonis (Thaddeus J. Mixson) é melhor amigo e uma espécie de ajudante para o boxeador amador Damian Anderson (Spence Moore II). Os dois são quase irmãos, tendo crescido no mesmo orfanato. Certo dia, depois de ter vencido uma luta que lhe deu um cinturão amador, Damian se envolve em uma briga iniciada por Adonis. Quando a polícia chega, Creed consegue fugir, mas Damian, armado, é preso.
Duas décadas depois, Adonis (Jordan) está aposentado dos ringues e Damian (Jonathan Majors) reaparece, recém-saído da prisão. Com o sonho de ser um boxeador campeão como o amigo, mesmo mais velho e sem a experiência, Damian aceita de Creed ajuda para treinar em sua academia. Ninguém acredita que Diamond Dame (como era conhecido o boxeador amador) consiga dar uma de Rocky Balboa e sair do nada para o estrelato. Mas é isso que acaba acontecendo, muito por conta da ajuda de Adonis, que se sente culpado pela vida do amigo. Quando uma virada acontece e Creed percebe que Dame não é honesto em seus planos, os dois entram em rota de colisão. Agora, ele precisará retornar aos ringues para derrotar seu adversário.
Creed III não foge muito do que vimos anteriormente na franquia, com as lutas de boxe sendo apenas um elemento de um universo maior. O embate final nunca é apenas um combate entre dois boxeadores, mas algo que significa mais – seja reverter expectativas, pagar uma dívida, se vingar da morte de um amigo (ou pai) querido. Os motivos são variados, mas sempre são pessoais. Outro aspecto que lembra o passado da franquia é o momento do protagonista se ver obrigado a sair da aposentadoria para defender o que acredita. Ainda que seja derivativo nesse sentido, o roteiro do novo longa tem outros pontos interessantes que fogem do lugar-comum e a direção de Jordan inclui surpreendentes novidades visuais.
A começar pelo script: a intenção de dar aos dois personagens centrais do embate um bom tempo para desenvolver sua rivalidade, começando com um reatamento da amizade para, depois, o transbordar da animosidade, é acertada. A construção dos motivos pelos quais Adonis e Damian se veem novamente ligados é crível, assim como o fato de ele ter escondido isso por tantos anos da família. Além disso, a atenção que o texto dá à Bianca (Tessa Thompson), à Mary Anne (Phylicia Rashad) e à Amara (Mila Davis-Kent) – esposa, mãe e filha de Adonis – é substancial. É verdade que elas não têm uma história sua para seguir, se tornando figuras importantes pela maneira como influenciam o protagonista. Mas não seria estranho ver, em alguns capítulos futuros, Adonis treinando sua filha para ser uma boxeadora. Perdas e violência são uma constante na cinessérie e, neste capítulo, isso não é diferente.
Quanto à direção, Jordan traz um novo estilo para as lutas no ringue – algo que ele confessou ter se inspirado em animes. Ao assistir a primeira luta, em que Creed observa uma parte vulnerável do corpo de seu adversário e se aproveita dela para vencer o embate, a primeira memória que surgiu neste antigo fã de Cavaleiros do Zodíaco foi a Batalha Galáctica, na qual os heróis protetores de Athena precisavam lutar em um ringue pelo direito a usar a armadura de ouro de Sagitário. Jordan cita Dragon Ball e Naruto como influências. O estilo de animação japonesa é traduzido de maneira interessante pelo cineasta. Não espere raios ou pessoas voando – nada disso. Mas a forma como a câmera lenta é utilizada e como a atenção que cada personagem coloca aos detalhes da luta é realmente reminiscente dos desenhos nipônicos. Em dado momento, o cineasta abdica totalmente da narração do combate – o mais manjado cacoete de qualquer filme de boxe – e coloca Adonis e Damian em sua própria luta particular, sem público, sem o som do seu entorno. É um dos trechos mais impressionantes do longa, não só pelo visual, mas pela maneira diferente de capturar algo que já vimos tantas e tantas vezes.
Como ator, Michael B. Jordan segue corretíssimo como Adonis, trazendo essa história de culpa e de merecimento para dar mais profundidade ao seu papel. Jonathan Majors, por sua vez, mostra a cada novo trabalho como é um ator cujo carisma eleva cada um de seus trabalhos. Em Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania (2023), Majors é a melhor parte da aventura da Marvel, ao injetar certa imprevisibilidade ao seu Kang. Em Creed III, o ator mantém essa aura perigosa, sabendo dosar momentos diversos do personagem. Sabemos desde o início, muito por conta do cartaz e dos trailers, que veremos um embate entre aqueles dois homens e ficamos esperando com curiosidade qual será a virada, onde aqueles dois romperão definitivamente. E Majors consegue trazer uma bravata que irritaria qualquer um, nos fazendo entender totalmente como Adonis voltaria aos ringues naquele cenário.
Rocky Balboa poderia aparecer em algum momento? Definitivamente. O treino para que Adonis volte aos ringues seria um trecho perfeito para um retorno surpresa – isso sem falar em uma perda gigantesca que Creed sofre e que, certamente, um ombro amigo como aquele viria a calhar. É compreensível que mesmo não fazendo muito sentido a ausência de Rocky, era necessário que ele não aparecesse para que a nova franquia possa galgar degraus sozinha. Stallone, que serve como produtor de Creed III, anunciou que pretende retornar como Rocky em um potencial sétimo filme de sua própria cinessérie, sem contar num possível spin-off de Ivan Drago e uma série de TV prelúdio, ambientada antes do primeiro Rocky, de 1976. Creed também deve ganhar novos capítulos, ainda mais se este novo longa tiver a resposta de público que a MGM espera – o que, tudo indica, terá. A franquia tem muito fôlego ainda para novos embates, nas mais variadas frentes. Espera-se que Stallone consiga resolver suas pendências com o produtor Irwin Winkler, com quem não tem uma relação muito amistosa por conta dos direitos do personagem que criou e que não são dele, para seguir socando – como ele mesmo diz. Keep punching.
FICHA TÉCNICA
CREED III
EUA – 116 min – Drama, Ação
Direção: Michael B. Jordan
Roteiro: Keenan Coogler, Zach Baylin
Com Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Jonathan Majors, Wood Harris, Florian Munteanu, Alex Henderson, Spence Moore II, Mila Davis-Kent e Phylicia Rashad
Cotação: 8
Mais sobre Michael B. Jordan? Temos críticas de outros filmes da filmografia do ator em nossas revistas digitais. Creed: Nascido para Lutar, na Almanaque21: Oscar 2016; Pantera Negra, em Almanaque21: Oscar 2019, Marvel Studios e Campeões de Bilheteria; e Pantera Negra: Wakanda para Sempre, na Almanaque21: Oscar 2023.