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Babilônia

Foto: cortesia Paramount

por Rodrigo de Oliveira

Damien Chazelle deixa bem claro o que o espectador pode esperar do seu retrato da clássica Hollywood nos primeiros minutos de Babilônia. Ao filmar um elefante defecando sobre um dos protagonistas, o diretor comunica à plateia que sua visão daquele universo será tudo, menos glamourizada. A cena seguinte, uma absurda festa com direito a muito sexo, drogas e rock ‘n’ roll jazz é outro indício de que não estamos exatamente no terreno da homenagem, mas de uma mordaz crítica aos excessos de uma realidade distante para meros mortais. Quem embarcar nos exageros de Chazelle pode se divertir, mesmo que seja óbvia a falta de sutileza do cineasta ao fazer uma espécie de Cantando na Chuva desglamourizado.

A citação ao imortal filme estrelado por Gene Kelly e Debbie Reynolds não é gratuita. Chazelle não esconde que tomou inspiração do clássico para seu Babilônia, não só por ambientar seu longa exatamente naquele mesmo período – a passagem do cinema mudo para o sonoro – mas por praticamente refilmar alguns trechos com alguns twists. Se você (assim como eu) tem Cantando na Chuva como um de seus filmes favoritos e sabe as falas meio que de cabeça, vai se encontrar reconhecendo vários momentos dentro de Babilônia que parecem extraídos diretamente do musical. Sem incluir spoilers, é possível dizer que a ligação entre as duas produções é maior do que poderíamos imaginar de começo.

Foto: cortesia Paramount

Na trama, acompanhamos algumas figuras que povoavam a Hollywood dos anos 20. Um astro, uma deslumbrada novata, um faz tudo sonhador e um músico talentoso, mas sem sucesso. Temos outras figuras, como a repórter de fofocas, uma misteriosa cantora de cabaret, os chefões de estúdio, os traficantes, mas o quarteto supracitado é quem realmente possui arcos que se fecham de maneira pungente. Todos eles passarão por transformações a partir do momento que o cinema passa por mudanças com a chegada do som, a partir do filme O Cantor de Jazz (1927).

Brad Pitt vive Jack Conrad, um astro do cinema mudo que fica maravilhado com as possibilidades que o cinema sonoro pode trazer. Notório festeiro e sempre com uma nova mulher ao seu lado, Conrad busca se manter nos holofotes com a nova tecnologia, mas as plateias parecem não abraçar esse seu novo momento. Margot Robbie é Nellie LaRoy, uma moça pobre que sonha estrelar grandes filmes. Sua estreia se dá quase que por acidente, mas sua excelente maneira de exprimir emoções a coloca logo no estrelato – infelizmente, quando o cinema sonoro chega, suas pantomimas podem não ser suficientes. Diego Calva é Manny Torres, um faz tudo que deseja trabalhar atrás das câmeras em Hollywood. Ele passa a auxiliar Jack Conrad e ganha algumas oportunidades, mostrando-se uma figura de muitos recursos. Sua paixão por Nellie, no entanto, pode atrapalhar sua ascensão. Por fim, Jovan Adepo interpreta o músico Sidney Palmer. Após ganhar uma chance de ouro nos cinemas, o artista precisa escolher entre a fama e a sua dignidade.

Foto: cortesia Paramount

Não é surpresa para ninguém que temos ótimas performances do elenco, que parece se divertir com as maluquices que precisa entregar para o diretor. Pitt é o mais contido, mas faz sentido pelo humor de seu personagem. Robbie é a que mais se arrisca, dando uma aura caótica à sua personagem. Calva é o verdadeiro protagonista da trama e não parece lhe pesar a responsabilidade. Adepo, Li Jun Li (vivendo a Lady Fay Zhu) e Jean Smart (como a jornalista Elinor St. John) tem menos o que fazer, mas não decepcionam quando são acionados.

Babilônia é uma mistura de drama, comédia e musical, com uma pegada quase surreal em alguns trechos. Embora tenha bons títulos em seu currículo, como Whiplash e La La Land, Damien Chazelle não é David Lynch, portanto algumas cenas ficam devendo no que poderia ser algo mais doido – a participação de Tobey Maguire poderia render horrores caso um cineasta mais versado no bizarro estivesse atrás das câmeras. Da maneira como acontece, parece apenas uma história paralela a mais de um filme que não se importa de bater as três horas de duração. A boa notícia é que Babilônia pode ser bastante exagerado, mas nunca se torna enfadonho. Tanta coisa acontece que não ficamos olhando o relógio a todo tempo.

Foto: cortesia Paramount

Uma pena que Chazelle não consegue ser mais sutil. A partir de agora, vamos entrar em alguns spoilers, portanto pule o parágrafo caso não tenha assistido ao longa. A história da ligação com Cantando na Chuva seria muito mais interessante caso o próprio filme não surgisse ao final, martelando coisas que um espectador com bagagem cinematográfica mínima teria entendido. Não bastasse isso, a recorrente escatologia que Chazelle investe surte efeitos díspares. O primeiro é causar óbvia repulsa (e risos). O segundo é deixar claro que a Hollywood do passado não era nada glamourosa como costumamos pensar. Funciona, de certa forma, mas imagine se fosse outro diretor fazendo isso? Se um Peter ou Bobby Farrelly, diretores de Débi & Lóide, cometessem as mesmas cenas, provavelmente não seriam abraçados da mesma forma que Chazelle.

Depois de ter comandado o fraco O Primeiro Homem, o diretor de La La Land parece ainda não ter acertado totalmente o passo. Talvez um trabalho menos megalomaníaco possa o colocar no trilho de novo. Talento ele tem – muitas cenas de Babilônia mostram virtuosismo atrás das câmeras – mas ainda lhe falta talvez poder de síntese para colocar suas boas ideias em um filme mais redondo. De qualquer forma, como dito, quem embarcar na viagem de Chazelle neste longa pode, sim, se divertir e até aprender algumas coisas sobre um período histórico importante para o cinema. Se as pessoas saírem da sala querendo assistir a Cantando na Chuva, já será alguma coisa.

 

BABILÔNIA
(BABYLON)
EUA – 189 min – Drama, Comédia
Dir. e Rot.: Damien Chazelle
Com Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jovan Adepo, Jean Smart, Li Jun Li, Tobey Maguire
Cotação: 6