Se você é um fã da franquia Halloween e tem especial apreço por Laurie Strode, a clássica final girl defendida por Jamie Lee Curtis, Halloween Ends talvez lhe agrade. Agora, se sua afeição pela cinessérie de horror é por conferir Michael Myers fazendo as piores atrocidades com os incautos habitantes de Haddonfield, melhor ficar com Halloween Kills, lançado em 2021. Ambos os filmes estão aquém do primeiro longa da nova trilogia, Halloween (2018), e milhas de distância do trabalho que deu origem a tudo – Halloween (1978), comandado por John Carpenter. Fica bastante claro que os criadores desta nova trilogia (David Gordon Green e Danny McBride) não tinham material o suficiente para três filmes – o plano inicial eram dois, filmados juntos – e tiveram que espalhar o pouco que havia em uma trinca de produções. Pense no popular “pouca manteiga para muito pão”. O que vemos em Halloween Kills e Ends é a repetição de algumas ideias, o subaproveitamento de personagens e a invenção de outros que não chegam a causar uma forte impressão. Caso você não queira saber absolutamente nada a respeito do desfecho da trilogia, não siga lendo essa crítica.
Halloween Kills tinha um problema sério em sua base – o fato de ser ambientado poucas horas depois do final de Halloween fez com que Laurie Strode praticamente ficasse ao largo da história, participando pouco. Em Halloween Ends, isso não seria uma questão. A trama se passa quatro anos depois, com Laurie recuperada fisicamente e tentando sobrepujar a dor da perda da filha. Uma terapia que parece estar funcionando é escrever sua experiência, para o futuro lançamento de um livro. Sua neta Allyson (Andi Matichak) também tenta viver sua vida normalmente e está às voltas com uma possível promoção no trabalho. O Halloween se aproxima e ela precisa de um par para uma festa e ele aparece na figura do traumatizado Corey Cunningham (Rohan Campbell). Em 2019, o rapaz trabalhava como babá de um menino e, por conta de uma brincadeira que dá errado, ele acaba causando a morte acidental da criança. Desde então, Corey tem carregado o peso daquela culpa, mas o bullying que tem sofrido da comunidade o deixa amargurado. Em certo momento, o jovem encontra Michael Myers escondido em um duto de esgoto e em vez de ser morto, surge uma aparente conexão entre os dois. Estaria Corey preparado para empunhar a faca do vilão de Haddonfield?
Existe uma mensagem reiterada nessa trilogia que é a sociedade construindo monstros. Se formos levar em conta a mentalidade de manada que vimos em Halloween Kills e, agora, o bullying que empurra Corey para o lado sombrio, está claro que Green e McBride têm nessa premissa uma forte âncora para a franquia. Não é ruim, muito menos improvável. Sabemos o quanto a sociedade pode ser tóxica a ponto de transformar o sujeito. Mas neste longa, a mensagem parece repetida. Já vimos isso na trama anterior. Para piorar, o destaque dado para Corey tira espaço do principal vilão da franquia, Michael Myers. Em dado momento, parece que estamos vendo a tocha sendo passada para outro monstro. Mas nem isso é levado a sério pelos realizadores, com o rapaz tão logo atingindo seu propósito, sendo descartado – por uma ação surpreendente, é verdade, e com potencial para causar sérios danos. Caso não fosse o último capítulo da franquia, aquela morte poderia causar uma verdadeira cisão entre Laurie e Allyson. Como não existe tempo para que as ações gerem impactos reais, logo depois as duas estão juntas novamente.
Allyson, aliás, talvez seja a personagem mais curiosa dessa franquia. As atitudes e escolhas que ela tem neste capítulo são perigosamente próximas de uma vilã. Em dado momento, até pensamos que talvez Corey e Allyson possam carregar o manto de Michael Myers. Mas, de novo, o conceito que parecia ser concebido é abandonado antes mesmo de causar algum impacto. A relação do casal é artificial demais e o início do namoro é ridiculamente forçado, com Allyson praticamente se jogando em cima de Corey tão logo ela o conhece – algo que foge da personalidade que vínhamos observando desde o início da trilogia. Nada parece orgânico.
Quanto a Laurie Strode, é sempre ótimo ver Jamie Lee Curtis defendendo a personagem e, neste filme, temos a chance de vê-la um pouco menos embrutecida pelo passado. Sim, ela carrega o trauma e o peso da morte da filha. Mas sua casa não é mais uma fortaleza impenetrável, suas vestimentas não são de alguém que espera por uma ameaça. Ela se dá até o espaço para sorrir. A sociedade, no entanto, não a deixa ser feliz por muito tempo, a relembrando do mal que ela teria “ajudado” a soltar na cidade. O terço final da trama funciona como um desfecho definitivo para essa luta contra o bem e o mal e é, sem sombra de dúvidas, o destaque deste Halloween Ends. Ver Laurie dar cabo do sujeito que a aterrorizou a vida toda tem seus méritos – ainda que a franquia tenha esquecido de todos os capítulos posteriores ao primeiro Halloween, nós da audiência sabemos que a trilha de horror de Michael Myers é bem maior.
Embora o conceito do corpo do vilão ganhar um cortejo pela cidade seja um tanto medieval, foi a maneira com que os roteiristas encontraram para expurgar Haddonfield daquelas feridas do passado. O final é bastante definitivo, com o cadáver do assassino virando poeira – mas a máscara deixada para trás vira uma lembrança de que o mal sempre pode voltar. Não para Jamie Lee Curtis e sua Laurie Strode, que parece realmente ter colocado sua personagem para descansar, mas nunca é possível dizer nunca quando se trata de franquias de horror de sucesso. Aos trancos e barrancos, Halloween Ends dá o seu desfecho à saga de Michael Myers e fecha a incursão da produtora Blumhouse na criação de John Carpenter – os direitos seguem com o produtor Malek Akkad. Espera-se que exista algum tempo de respiro entre este final e um novo começo, que certamente se dará no futuro.
HALLOWEEN ENDS
EUA – 111 min – Terror
Dir.: David Gordon Green
Rot.: Paul Brad Logan, Chris Bernier, Danny McBride, David Gordon Green
Com Jamie Lee Curtis, Andi Matichak, James Jude Courtney, Nick Castle, Will Patton, Rohan Campbell, Kyle Richards
Cotação: 5