Quando Steven Spielberg anunciou que faria uma nova versão de Amor, Sublime Amor, a ideia parecia sem sentido. O original, lançado em 1961, dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins, está no panteão de produções de Hollywood. Baseado no musical da Broadway de 1957, concebido por Robbins, Leonard Bernstein (música), Stephen Sondheim (letras) e Arthur Laurents (texto), foi vencedor de 10 Oscar, incluindo Melhor Filme. Lógico que, por ser uma produção lançada há 60 anos, muita coisa envelheceu mal. A representação dos porto-riquenhos na trama era problemática, para dizer o mínimo, com poucos latinos escalados. Os atores, em sua maioria, eram muito mais velhos do que os papéis pediam. Spielberg, amigo de Robert Wise, com quem conversou inúmeras vezes sobre o clássico, decidiu que seu longa consertaria esses problemas. As intenções são boas e o filme se mostra nada descartável, com um visual riquíssimo, boas performances e música tão envolvente quanto sempre.
Spielberg sabia que estava pisando em gelo fino quando escolheu refilmar um clássico. Inclusive, pode-se afirmar que este é o primeiro remake propriamente dito da carreira do diretor. Embora ele tenha filmado Guerra dos Mundos, em 2005, era uma nova adaptação da obra literária de H.G. Wells, tendo pouco a ver com o longa lançado em 1953. Em Amor, Sublime Amor, por outro lado, Spielberg abre seu filme da mesma maneira que Wise fez em 1961, com uma tomada aérea apresentando a região em que a história se passará. Existe, claro, muito do espetáculo da Broadway, mas está claro que o filme é uma ode ao que Wise e Robbins fizeram em 1961. Uma das grandes ideias de ponte entre as duas produções foi o convite feito a Rita Moreno. Vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por seu papel de Anita no longa original, a estrela retorna em novo papel e tem tudo para ser agraciada com uma nova estatueta. Além de atuar e cantar, Moreno é uma das produtoras executivas.
A trama é uma modernização do clássico de William Shakespeare Romeu e Julieta. Sai o ódio mortal entre os Capuleto e os Montéquio em Verona, entra a rivalidade igualmente letal das gangues inimigas Sharks (formada por porto-riquenhos) e Jets (formada por norte-americanos) na zona oeste de Nova York. Neste cenário, o jovem Tony (Ansel Elgort), recém-saído da prisão por ter quase matado um sujeito em uma briga, está tentando viver uma vida sem problemas. Ele trabalha no mercadinho de Valentina (Moreno), uma porto-riquenha que o adotou como um filho, mesmo ele tendo fundado a gangue dos Jets ao lado do amigo Riff (Mike Faist). Os Jets têm ódio dos porto-riquenhos, em especial do líder da gangue Sharks, Bernardo (David Alvarez). Ele, por sua vez, odeia os americanos pela forma como é tratado com preconceito no país – algo traduzido na música America. Bernardo é casado com Anita (Ariana DeBose), uma esforçada costureira, e é irmão de Maria (Rachel Zegler), uma sonhadora moça, empregada de uma loja de roupas. Em uma festa, Maria e Tony se conhecem e logo se afeiçoam um ao outro. Lógico que os Sharks e os Jets não enxergam essa união com bons olhos. O bairro onde vivem está prestes a ser demolido, mas isso não impede que as gangues queiram o domínio da região. Um grande embate se avizinha e quem sair vencedor verá os adversários tendo de abandonar o local. Mas existe mesmo vencedores em um mundo onde o ódio é a palavra corrente?
A grande revelação desta nova versão é Maria, interpretada pela novata Rachel Zegler. Atriz de apenas 20 anos, com experiência na Broadway, mas estreante no cinema, a jovem não só convence como a “Julieta” da vez, como solta a voz de maneira impressionante. O alcance é invejável e dá força para canções memoráveis como “Tonight”, “I Feel Pretty” e “A Boy Like That/I Have a Love”. Ansel Elgort, por sua vez, está bastante irregular. Em dados momentos, ele entrega seu texto sem muita energia, quase monocórdio. Em outros, ele parece mais investido, como suas cenas dramáticas ao final. Na cantoria, ele não compromete, embora seria incrível ver alguém com maior alcance fazendo dueto com Zegler. Merecem destaque ainda Mike Faist, como Riff – sua cadência de fala fecha totalmente com o personagem e com o clima daquele musical – e Ariana DeBose, como Anita. A atriz traz a verve explosiva da personagem e ainda dá show no número de América. Mas se existe um motivo para amar esta nova versão é a calorosa participação de Rita Moreno. A atriz, de quase 90 anos, retorna ao filme que lhe revelou para o mundo. Seu papel é o elo entre as gangues rivais e sua participação é o coração do longa. Uma novidade desse remake é tirar de Tony e Maria a canção Somewhere e entregar para Valentina. A performance é sensível e, bem possível, dará a Moreno se não o Oscar, uma indicação ao menos.
Quanto aos números musicais, Spielberg dá uma nova roupagem bela e necessária. Em 1961, quando Wise e Robbins filmaram o longa, o usual era deixar a câmera mais parada e aberta possível, para que os intérpretes pudessem fazer as coreografias e mostrar que tinham talento para a coisa. Isso já foi abandonado há tempos, claro. Spielberg e seu diretor de fotografia Janusz Kaminski deixam a câmera passear pelos cenários (desta vez, filmados em locação, não em um estúdio). America, por exemplo, que era encenado em um espaço escancaradamente artificial, ganha as ruas. Existe um feeling tátil maior, como se os personagens realmente vivessem naquele bairro. É uma direção de arte mais naturalista.
Amor, Sublime Amor
(West Side Story)
EUA – 120 min – Drama
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner
Com Ansel Elgort, Rachel Zegler, Ariana DeBose, David Alvarez, Brian d’Arcy James, Corey Stoll, Mike Faist, Josh Andrés Rivera, Iris Menas e Rita Moreno
Cotação: 8
Este é um fragmento da crítica de Amor, Sublime Amor. O texto completo será publicado em nossa revista especial sobre Steven Spielberg, com lançamento previsto para 16 de dezembro. Assine a ALMANAQUE21 aqui e não perca essa edição.