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Adoráveis Mulheres

Em seu terceiro longa-metragem como cineasta, Greta Gerwig exibe talento de veterana. Assumindo a missão complicada não só de dirigir, mas adaptar a obra da americana Louisa May Alcott para o cinema, a diretora de Lady Bird: A Hora de Voar prova ser uma incrível contadora de histórias, conseguindo apresentar a trama clássica de Adoráveis Mulheres e ainda inovar, aqui e ali, na estrutura narrativa e na própria trajetória dos personagens. Aos fãs do livro, não se preocupem: as mudanças são pequenas, mas cruciais para incluir tintas mais atuais à trama. Ao final, nota-se um esmerado trabalho para dar à obra de Alcott sua devida importância. Embora seja uma autora clássica, conhecidíssima nos Estados Unidos, é notório que o público em geral tenha mais contato com suas influências – as britânicas Jane Austen e as irmãs Brontë, Charlotte, Emily e Anne, por exemplo. Essa nova adaptação, a sétima a ser lançada nas telonas, tem tudo para colocar Adoráveis Mulheres no mesmo patamar de Orgulho e Preconceito junto às plateias atuais.

E como Gerwig atinge esse objetivo? Demonstrando a mesma inteligência e tato para construir personagens críveis e humanos como havia feito em seu esforço anterior, que lhe garantiu indicações ao Oscar pelo roteiro e pela sua direção. Em Adoráveis Mulheres, a cineasta aponta sua câmera para o seio da família March, entendendo que para conquistar o público, é necessário dar tempo para cada uma das irmãs florescer frente à tela. É verdade que Beth e Meg ganham um pouco menos de destaque frente a Jo e Amy, mas ainda possuem arcos fortes o bastante para que sintamos os dramas de cada uma. E ainda que sejam quatro as personagens centrais, ainda sobra tempo para desenvolver o galante Laurie, a acolhedora Marmee, a esnobe tia March e o bondoso Senhor Laurence, entre outros. É um malabarismo difícil de conseguir e Gerwig se sai perfeitamente bem, entregando um filme redondo e delicioso de se assistir.

A trama é construída de maneira não linear, algo que destoa do romance, mas dá grande dinamismo. Começamos a história com Jo (Saoirse Ronan) morando em Nova York e vendendo seu primeiro conto para um jornal. A sua felicidade em emplacar seus escritos só é apagada com a crítica negativa de Friedrich Bhaer (Louis Garrel), um morador da mesma pensão em que ela vive, que aponta problemas no estilo da jovem escriba. Não bastasse isso, ela se vê impelida a voltar para casa ao saber que sua irmã, Beth (Eliza Scanlen), teve uma recaída em sua saúde. Enquanto isso, na Europa, Amy (Florence Pugh) está acompanhando a tia (Meryl Streep) e reencontra um amigo antigo, Laurie (Timothée Chalamet), eterno pretendente de sua irmã Jo, que partiu o coração do rapaz no passado. Ele, rico, foi à Europa para espairecer. O encontro entre Laurie e Amy faz com que a garota fique dividida entre o seu pretendente e o sujeito que ela amava desde sua adolescência. Nos Estados Unidos, Meg (Emma Watson) vive um período difícil em que não aceita sua condição financeira, tendo um marido e dois filhos para cuidar. Ela sonhava bem mais para si. Em meio a esse período conturbado, somos apresentados ao passado daquelas quatro irmãs que viviam junto de sua mãe (Laura Dern). Suas agruras, felicidades, amores e dissabores.

Obra à frente do seu tempo, lançada em dois volumes em 1868 e 1869, Adoráveis Mulheres tinha a distinção de ser uma trama que colocava as mulheres em primeiro plano. Era vontade de Alcott escapar dos romances açucarados e mostrar uma visão mais realista do cotidiano de jovens adultas – tirando inspiração em sua própria vida junto das irmãs. O que Greta Gerwig realiza com seu longa-metragem é trazer essa história novamente à luz e envernizando com uma pegada ainda mais moderna. A protagonista Jo é uma mocinha que não se apaixona pelo protagonista masculino da trama, embora exista uma química forte entre os dois e um amor genuíno. No caso dela, um amor fraternal. Era importante para a escritora mostrar a uma sociedade machista que o casamento não é a saída de tudo para as mulheres. O filme consegue deixar isso ainda mais claro ao criar uma versão um tanto metalinguística que revela o final desejado e o final “aceito”. É uma artimanha magnífica e que dá um sabor diferente a essa versão.

Versão é uma palavra importante, visto que temos sete diferentes nos cinemas. A primeira é considera perdida, a segunda foi filmada na época do cinema mudo. A terceira já conta com elenco graúdo, encabeçado por Katharine Hepburn, em 1933. Depois veio a primeira versão colorida, com Elizabeth Taylor no elenco, lançada em 1949. Uma das mais recentes e famosas saiu em 1994, estrelada por Winona Ryder, Susan Sarandon, Claire Danes e Kirsten Dunst, comandada por Gillian Armstrong. Mas Gerwig parece conduzir a versão definitiva, conseguindo trazer personagens riquíssimos, um ar de novidade para um texto clássico, sem falar na força das atuações.

Saoirse Ronan é uma jovem talentosíssima que, desde seu papel revelação em Desejo e Reparação (2007), tem se mostrado uma atriz nata. A cada novo filme, ela parece suplantar seu desafio anterior. Em Adoráveis Mulheres, Ronan é encantamento, é força, é tenacidade, é fragilidade. Ela é tudo em uma só. Seria fácil construir uma personagem que nunca falha, alguém que seria perfeita e um exemplo para as demais irmãs. Mas isso não seria ser humana. Ela é alguém que doa seu cabelo para a caridade, mas que se arrepende depois pelo resultado. É uma pessoa que é totalmente identificável com o espectador. Se existe um papel que Gerwig poderia fazer, caso fosse mais jovem, seria Jo. Tanto que ela herda um tanto da aura atrapalhada das personagens que a diretora já interpretou em filmes como Frances Ha (2012) e Lola Versus (2012). Outro destaque do elenco é Florence Pugh. Uma das revelações de 2019 depois de sua atuação em Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, a jovem britânica é ousadia e frescor como Amy, uma menina que se viu sempre à sombra de Jo e que responde com agressividade ao ser deixada de lado. Emma Watson e Eliza Scanlen ganham menos o que fazer, mas não decepcionam. Curiosamente, todas precisam caprichar no sotaque fake, visto que nenhuma é americana. Laura Dern dá uma atuação cheia de coração, assim como Chris Cooper (o que vindo dele é uma novidade interessante). Meryl Streep se diverte com as poucas cenas em que aparece, enquanto Chalamet dá ao seu Laurie um charme juvenil que nos faz crer em seu magnetismo com aquelas meninas.

Além de ter uma história bem contada e magnificamente defendida pelo elenco, a trilha sonora de Alexandre Desplat traz o lirismo que esperamos ao ouvir seu nome. A música tem importância ímpar para a trama, visto que Beth consegue sair da casca quando toca piano. Desplat preenche os momentos musicais com belas melodias no instrumento, transformando sua música em verdadeira poesia. Os trajes vestidos pelo elenco são de Jacqueline Durran, oscarizada por outra adaptação de um clássico literário, Anna Karenina (2012). É um trabalho que a Academia adora indicar (e premiar) e enche os olhos do espectador com belíssimas vestimentas. É praxe, mas é possível saber muito sobre cada uma das quatro irmãs bastando ver o que elas vestem. Somados todos esses predicados, Adoráveis Mulheres é um título imperdível e que tem tudo para fazer bonito no Oscar deste ano.

FICHA TÉCNICA
ADORÁVEIS MULHERES (Little Women)
EUA – 135 min – Drama
Direção e roteiro: Greta Gerwig
Com Saoirse Ronan, Emma Watson, Florence Pugh, Eliza Scanlen, Laura Dern, Timothée Chalamet, Tracy Letts, Bob Odenkirk, James Norton, Louis Garrel, Chris Cooper e Meryl Streep
Distribuição: Sony
Cotação: 9